Expressão de
amor a Jesus e ao Papa
Cerca de 10 milhões de franceses fizeram em
fins do século XIX o voto de construir, em Paris, um santuário dedicado ao
Sagrado Coração de Jesus. Assim nasceu a monumental Basílica que acaba de
completar 125 anos de Adoração Eucarística ininterrupta.
No alto da colina de
Montmartre, a poucos quilômetros da Catedral de Notre-Dame e do Palácio do
Louvre, destacam-se em Paris a alva cúpula e a esguia torre de pedra da
monumental Basílica construída em honra ao Sagrado Coração de Jesus.
Imponente e estrategicamente
situado, o altivo templo apresenta-se aos transeuntes como um dos mais
salientes marcos da Cidade Luz. Mas, dos milhões de peregrinos e turistas que o
visitam anualmente, quantos conhecem sua história e a riqueza de seu
simbolismo? Menos ainda são os que — como fez o Beato João Paulo II em junho de
1980 — nele entram para um momento de oração diante do Santíssimo Sacramento,
ali exposto noite e dia há 125 anos.
Quais acontecimentos deram
origem à grandiosa Basílica?
De “Monte de
Marte” a “Monte dos Mártires”
Para bem responder a esta pergunta,
remontemo-nos à época galo-romana, quando a colina na qual ela se eleva era
conhecida pelo nome de Mons Martis (Monte de Marte), por haver ali um templo
dedicado ao deus da guerra. Nela ocorreu um importante fato da história dos
primórdios do Cristianismo.
Narra São Gregório de Tours que
em torno do ano 250 o Papa enviara sete missionários para evangelizar a Gália,
entre eles São Dionísio.1 Estabelecendo-se às margens do Sena, na cidade então
chamada de Lutécia, conseguiu ele formar uma comunidade cristã, da qual se
tornou o primeiro Bispo. Corriam, entretanto, tempos de ódio e de perseguição
aos cristãos. Denunciado às autoridades romanas, Dionísio foi decapitado no
Monte de Marte, por volta do ano 270, juntamente com dois companheiros, o presbítero
Rústico e o diácono Eleutério. Desde então, segundo consta, a colina passou a
denominar-se Mons Martyrum (Monte dos Mártires), dando origem ao atual nome
francês Montmartre.
Local de
peregrinação
Devido à sua localização
privilegiada, com uma bela vista da Cidade Luz e do rio Sena, a rainha Adelaide
de Saboia, esposa do rei Luís VI, mandou edificar ali, no ano de 1133, uma
igreja em honra do Príncipe dos Apóstolos e um mosteiro para monjas
beneditinas. Após a morte do monarca, a própria rainha retirou-se para esse
convento, que se tornaria mais tarde uma das mais importantes abadias da ordem
na França.
Ao longo dos séculos, numerosos
santos — como São Bernardo, Santa Joana d’Arc, São Vicente de Paulo — acorreram
a essa colina em peregrinação. Pelas encostas de Montmartre subiram também sete
homens robustecidos pelos Exercícios Espirituais que, atraídos pela bênção do
lugar, desejavam emitir seus votos religiosos na cripta onde se supunha ter
ocorrido o martírio de São Dionísio, da qual quase nada resta atualmente. Eram
eles Santo Inácio de Loyola com seis discípulos seus. Ali se constituiu o
primeiro núcleo da Companhia de Jesus, na festa da Assunção de 1534.
Outro grande marco da história
do Monte dos Mártires deu-se em 1611, quando foram encontradas na cripta da
capela do mosteiro das beneditinas inscrições indicando o exato local do
martírio do santo Bispo Dionísio. A própria rainha Maria de Médicis quis
comemorar essa descoberta, conduzindo toda a Corte em peregrinação ao local.
Vítima da
Revolução Francesa
A Revolução Francesa truncou a
multissecular história da abadia beneditina de Montmartre: em 1792, o prédio
foi destruído e as religiosas dispersaram-se. Várias delas, entre as quais a
última abadessa, Madre Maria Luisa de Montmorency-Laval, caíram vítimas da
guilhotina.
Num grotesco ritual realizado
diante da urna contendo os restos mortais de Marat, a colina foi rebatizada com
o nome de Mont-Marat. E um padre apóstata levou o ridículo, ao extremo, de
comparar o coração do pretenso “amigo do povo” ao Sacratíssimo Coração de nosso
Redentor...2 A instabilidade política pela qual passou a França depois da
Revolução de 1789 prolongou-se por quase cem anos. E a situação mostrava-se
especialmente grave em fins de 1870, após a pesada derrota sofrida pelo país na
Guerra Franco-Prussiana. Em março do ano seguinte eclodiu a Comuna de Paris,
espalhando durante mais de dois meses o terror e a violência.
“Voto
Nacional” para construção da Basílica
A graça de Deus, porém, tocou a
fundo os corações dos franceses nesse cenário de tragédias e incertezas.
Lembrando as revelações que Nosso Senhor fizera dois séculos antes a Santa
Margarida Maria Alacoque, em várias cidades os fiéis faziam promessas ao
Coração de Jesus, suplicando ao Divino Redentor a restauração da pátria e a
libertação do Papa Pio IX, então prisioneiro no Vaticano.
Impulsionado pelo padre jesuíta
Henry Ramière, um destacado leigo católico parisiense, Alexandre Félix
Legentil, redige o esboço de um “Voto Nacional ao Sagrado Coração de Jesus para
obter a libertação do Soberano Pontífice e a salvação da França”. Impresso e
distribuído ao público, em pouco tempo as folhas encheram-se de milhares de
assinaturas. Prometiam os signatários, em concreto, colaborar para erigir em
Paris um santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Por sugestão do
Arcebispo Dom Joseph-Hippolyte Guibert, escolheu-se para a construção o cume da
colina de Montmartre.
Após meses de consultas,
propostas e providências diversas, a Assembleia Nacional francesa aprovou em 24
de julho de 1873, por expressiva maioria — 382 votos a favor, 138 contra, 160
abstenções — o projeto que estipulava em seu artigo primeiro: “Fica declarada
de utilidade pública a construção de uma igreja na colina de Montmartre, de
acordo com o requerimento feito pelo Arcebispo de Paris em sua carta de 5 de
março de 1873, endereçada ao Ministro dos Cultos. Essa igreja, a ser construída
exclusivamente com recursos provenientes de subscrições, será destinada
perpetuamente ao exercício público do culto católico”.3
Entusiástica
adesão do povo fiel
Apesar da tremenda crise
financeira na qual jazia a França do pós-guerra — além de outras dificuldades,
as tropas prussianas vencedoras só sairiam do território francês após o
pagamento de uma vultosa indenização —, o projeto de construção da nova
basílica contou desde o início com entusiástica e generosa participação do povo
fiel: desde simples operários até membros destacados do clero e do governo
aderiram à iniciativa. No total, foram recolhidos mais de 46 milhões de
francos.
Entre os quase 10 milhões de
doadores, destacam-se o próprio Papa Pio IX, o qual fez uma oferta pessoal de
20 mil francos, e uma jovem de Lisieux chamada Teresa Martin, que enviou seu
bracelete para ser fundido e usado na confecção do grande ostensório do
Santíssimo Sacramento. Poucos anos depois, ela passou para a História com o
nome de Santa Teresinha do Menino Jesus.
A pedra fundamental do novo
templo foi colocada em 16 de junho de 1875; um ano mais tarde, celebrou-se a
primeira Missa numa capela provisória. As obras avançaram com a rapidez
possível num projeto de grande envergadura nas difíceis circunstâncias da
época. A monumental igreja foi acabada em 1914.
No teto da abside contempla-se
o maior mosaico do país, representando o Sagrado Coração de Jesus glorificado
pela Igreja e pela França, chamado Cristo
em Majestade. Em sua base, lê-se esta divisa em latim: Christo ejusque Sacratissimo Cordi Gallia poenitens et devota (A
Cristo e a seu Sacratíssimo Coração, a França penitente e devotada).
Adoração
Eucarística ininterrupta
Em 1885, iniciou-se na
Basílica, ainda em construção, a Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento.
Desde então, graças ao fervor de adoradores anônimos, ela não se interrompeu
sequer em momentos de grandes tragédias, como no dia em que as tropas alemãs
invadiram Paris, em 1940, e na noite em que o edifício tremeu e os vitrais
despencaram sob o impacto das bombas lançadas pela aviação de guerra
anglo-americana, em 1944.
Muito se poderia escrever sobre
os maravilhosos efeitos e os resultados concretos dessa ininterrupta adoração à
Sagrada Eucaristia, mantida ao longo de 125 anos à custa de sacrifícios, não
apenas pequenos, mas por vezes heróicos. Sintetizou-os bem o Bem-aventurado
Papa João Paulo II ao afirmar que, graças a isso, a Basílica tornou-se “um dos
centros de onde o amor e a graça do Senhor irradiam, misteriosa mas realmente,
sobre a vossa cidade, sobre o vosso país e sobre o mundo redimido”.4
1SÃO GREGORIO DE TOURS.
Historia francorum. l.I c.30.2 Cf. ROPS, Daniel. A Igreja das Revoluções. 1.
Diante de novos destinos. São Paulo: Quadrante, 2003, t.VIII, p.57. 3WEISS, Juan Baptista. Historia
Universal. Barcelona: La Educación, 1933, t.XXIV, p.510. 4BEATO JOÃO
PAULO II. Discurso na Basílica do Sagrado Coração, em Paris, 1/6/1980.
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