Transportemo-nos com a
imaginação até as primeiras eras da
humanidade. Indivíduos e comunidades vagueiam pela Terra, ainda despoluída, embelezada
por uma natureza virginal, pouco
tisnada e desfigurada pelos nossos pecados. Pensemos numa tribo em cujo seio já se nota, em gérmen, a grandeza e a
bondade de um povo que deve surgir.
Essa tribo cruza as vastidões dos territórios livres, conduzindo seus rebanhos,
suas tendas, caminha enfrentando as
intempéries e outros perigos,
recolhendo-se em grutas, galgando e
descendo montanhas, rezando e cantando.
De súbito, depara-se com novo
panorama. Digamos, o mar, estendendo-se à frente daqueles homens numa paisagem
maravilhosa. Eles se detêm e aguardam a chegada do chefe, do patriarca. Este se
aproxima: ancião robusto, barba e cabelos brancos, trajando túnica igualmente
branca. Enquanto ele considera aquele cenário, seus seguidores procuram o reflexo do mar no olhar do patriarca... Até os animais cessam
de mugir e de se agitar. Faz-se profundo silêncio. O sol está se pondo sobre o oceano e cobrindo as águas de joias e cintilações.
A vista daquele espetáculo
cumula de encanto quase paradisíaco a alma de todos.
O patriarca
se levanta com
dignidade, majestoso, imponente,
sublime, e sem mais comentários entoa um improvisado hino de louvor
a Deus. Cântico que os vários segmentos de
sua tribo vão parafraseando e desdobrando em melodias e poesias mais simples,
enquanto montam o acampamento e se dispõem ao repouso noturno.
No dia seguinte, eles sairão da
poesia e do sono para ingressar novamente na luta e no trabalho cotidianos, sob
a venerável orientação do
seu líder. Como é bela a condição de patriarca!
Entretanto, essa beleza, tão
alta e grandiosa, é insignificante se comparada com o esplendor do patriarcado dos
patriarcados: o papado.
Pois a instituição pontifícia
se desenvolve inteira numa atmosfera áurea, ela vive numa esfera do dourado. De
dentro desse áureo, ele impulsiona e se debruça sobre todas as coisas, sejam as
mais complexas, sejam as mais triviais e terrenas, sem deixar de ser ele, sem receio
de se deteriorar, de quebrar-se ou de perder a sua própria lógica. Age e existe
com uma aisance que lhe vem, não de
uma virtude acima do comum, mas de
um elevadíssimo grau
de sobrenatural . É de uma
perfeição e excelência que só têm
paralelo com o próprio Nosso Senhor Jesus
Cristo, seu Fundador . O Papa no seu dia-a-dia é o Divino
Mestre andando na banalidade da Judéia
daquele tempo, detendo-se junto a esse
mendigo, àquele cego ou àquele leproso,
conversando com um servo, dirigindo a
palavra ao homem mais insignificante,
afagando e ensinando às criancinhas...
Imaginamos um patriarca.
Imaginemos um Papa santo no Vaticano.
A noite vai cedendo lugar às
incipientes luzes da aurora. Toda a Roma dorme. Os 400 sinos das suas igrejas
ainda não começaram a tocar. O Sumo Pontífice desperta, consulta o relógio.
Dentro em pouco o sol estará raiando e a cidade emergirá do repouso. Ele sabe
que a dois passos de seus aposentos se acha a capela com o Santíssimo
Sacramento. Nosso Senhor, que o constituiu
seu pastor e representante, o espera
para uma primeira adoração.
O Papa se apronta e se dirige à
capela, onde se preparará para o augusto sacrifício da Missa. Enquanto caminha
em direção ao Senhor, renascem na sua alma as preocupações da véspera, os
pesados fardos do governo da Igreja, assim como animam seu espírito a imagem de
muitas almas boas que a Providência tem suscitado pelo mundo, nas quais se
depositam as esperanças e a glória da
Esposa Mística de Cristo.
Antes de entrar no oratório, ele pára e deita
a vista através de uma das grandes
janelas do Vaticano. À frente, os primeiros fulgores de sol osculam a imponente cúpula da Basílica de São
Pedro. Na praça vazia, ergue-se o famoso obelisco que sempre nos faz lembrar do
lema dos cartuxos: “a cruz está de pé, enquanto o orbe todo gira” .
Das duas grandes fontes que
ladeiam o obelisco,
eleva-se o ruído
harmonioso das águas a jorrarem e
caírem nas suas bacias . A luz do dia começa a se refletir mais
intensamente na cúpula . E o Pontífice pensa: “A Santa Igreja Católica
Apostólica Romana! O Papado!” E o seu Anjo da Guarda lhe sopra na alma: “Tu es
Petrus!”
De um modo particularmente vivo
e tocante, ele se sente identificado com seu papel, com sua missão.
O Vigário de Cristo compreende que
suas meditações atingiram o auge, e ele deve se entregar aos seus afazeres. O
mundo inteiro o espera. Porém, não começará lendo relatórios nem assinando
decretos ou tomando conhecimento dos jornais.
Ele iniciará seu dia rezando, pedindo por todos os homens, pela Igreja
universal.
Entra na capela devagar, caminha
até seu genuflexório e se ajoelha. A lamparina do Santíssimo corusca e
tremeluz, lançando fulgores avermelhados sobre o tabernáculo. E de dentro do sacrário,
o amor do Homem-Deus pelo pontífice Santo se irradia plenamente. E ele começa a
rezar, rezar, rezar...
Como essa situação é mais
esplendorosa do que a do patriarca
pastor, no começo da humanidade, muito embora algo
do patriarcado primeiro esteja
contido nesse patriarcado espiritual e
supremo. O Papado: como é belo, como é maravilhoso!
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