A arte florentina se
caracteriza pela perfeição das formas e seu estilo despojado. Embora alguns
monumentos de Florença causem respeito e admiração por seu grande valor
artístico, a mania do despojado — hoje tão difundida — parece uma censura a
Deus que não fez um universo sem ornatos.
Em certo sentido, podem-se
considerar como sendo três as metrópoles de irradiação do espírito
renascentista a partir da Itália: Florença, Veneza e Roma. Cada uma delas teve
um papel determinado na difusão desse espírito.
Palácio da Senhoria: exemplar típico do espírito florentino
Do ponto de vista artístico,
enquanto Florença prima pela busca na perfeição das formas, Veneza procura
realçar a supremacia das cores sobre o desenho. Roma, por sua vez, é a síntese
dos vários aspectos da Renascença, onde os Papas procuraram recolher
obras-primas de todas as fontes e formas de beleza.
O espírito florentino é muito raciocinante e amigo de ver
nas coisas principalmente o aspecto resultante do silogismo. Essa é uma posição
quase ascética dos renascentistas, que recusa à imaginação muitas invenções, e
ao sentimento um papel muito grande na elaboração do conjunto do pensamento
humano. Pelo contrário, vive de cálculos, proporções, perspectivas realmente
bem elaborados. Tendência da qual, a meu
ver, nasceria o racionalismo.
É o que principalmente
notaremos nos edifícios florentinos que analisaremos a seguir.
O palácio dito da Senhoria de
Florença foi durante muito tempo a sede do governo de um pequeno Estado, que
ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar enorme, constituindo uma
grande potência do pensamento.
O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio? Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita com um relógio que lembra o de Siena1. Notam-se em algumas das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém, constituem meros furos realizados na parede sem sentido de beleza especial nenhum.
O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio? Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita com um relógio que lembra o de Siena1. Notam-se em algumas das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém, constituem meros furos realizados na parede sem sentido de beleza especial nenhum.
A torre não está no meio do
edifício. Na ótica moderna, a torre deveria estar bem no centro, segundo um
princípio elementar do traçado artístico razoável, desejável. Mas neste palácio
a torre fica empurrada um pouco para o lado, e o relógio posto na raiz da
torre, quando normalmente o colocaríamos na parte de cima daquelas ameias, para
ser visto pelo maior número possível de pessoas.
Há embaixo, nos dois ângulos do edifício, dois ornatos
extrínsecos ao palácio, mas que ajudam a ter uma ideia da harmonia total dele.
São duas estátuas monumentais, de estatura maior do que a de um homem. Não
lembro bem o que as estátuas representam. Elas são de um mármore bem alvo, e
contrastam bastante, portanto, com a cor do prédio.
Edifício sério, altivo, lógico
No meu modo de entender, esse
edifício é lindo, extraordinário enquanto sério, altivo, lógico em tudo. O modo
pelo qual essa torre se ergue altaneira no monumen do pelo qual
essa torre se ergue altaneira no monumento é formidável.
Mas não se pode negar que ele
nos leva a perguntar se não poderia ser um pouco mais coerente em alguns de
seus aspectos. Por exemplo, não vejo o objetivo funcional daquelas quatro janelinhas
numa primeira fileira; depois uma embaixo da quarta, colocada ali, onde tudo levaria
a crer serem necessárias pelo menos algumas das janelas do estilo das três que
estão mais ou menos na mesma linha, continuando para a direita. Por que isso é
assim? Não se entende.
Por outro lado, um aspecto
que exprime, no meu modo de entender, a secura do estilo é a repetição dessa
disposição de janelas em baixo. Depois, surgem de repente duas ou três
janelinhas muito mais curtas, sem arcos em cima, colocadas ali não se sabe por
quê. Por fim, no andar térreo, duas portinhas.
Dir-se-ia que são elementos
de feiúra. Entretanto, o conjunto agrada enormemente. Por quê? Porque a boa
ordem da fachada — indiscutivelmente há uma bela boa ordem aí — faz esquecer os
defeitos dessas janelinhas. Ou, pelo contrário, essas janelinhas entram meio subconscientemente
no espírito como elementos dessa boa ordem. Sou mais propenso à segunda ideia.
De uma dessas janelas parte um balcão. Não se diria que um palácio monumental comportaria um balcão mais bonito, mais elegante? Entretanto, é esticadinho e sequinho. Não obstante, o palácio é de uma beleza mundialmente elogiada. No mundo inteiro encontram-se estampas, postais, álbuns apresentando esse edifício deste ângulo.
De uma dessas janelas parte um balcão. Não se diria que um palácio monumental comportaria um balcão mais bonito, mais elegante? Entretanto, é esticadinho e sequinho. Não obstante, o palácio é de uma beleza mundialmente elogiada. No mundo inteiro encontram-se estampas, postais, álbuns apresentando esse edifício deste ângulo.
Se o comparamos com certos palácios de Veneza, que parecem descidos de um céu empíreo, das
nuvens, notamos uma diferença colossal de psicologias. Esta é a psicologia
florentina.
Vê-se ali o emblema de Florença: a flor de lis vermelha que
caracteriza, na heráldica, a cidade.
Uma palavra sobre a arcada. São três arcos só, entretanto,
pela suavidade deles — eu quase diria pela doçura séria, hierática, agradável
dos arcos — a arcada completa e atenua um pouco o que o palácio tem de seco.
São três arcos famosos, que constituem uma parte do décor da Praça do Palácio
da Senhoria.
Duas atitudes de alma face
ao Palácio da Senhoria
Antes de passar adiante, eu
queria apenas apanhar uma impressão que me vem de um prédio localizado ao
fundo, em um dos lados da arcada. É um edifício comum, provavelmente construído
no século XIX. Mas imaginem uma pessoa que tenha um escritório naquele prédio,
onde ela exerce uma função muito absorvente. Vamos dizer que, por exemplo, no primeiro
andar desse edifício, esteja instalada uma grande agência internacional de
notícias, na qual informações chegam a toda hora e que precisam ser difundidas
a cada instante. É necessária uma vigilância muito grande, para distinguir as
notícias verdadeiras das falsas, da boataria, para condensar e enviá-las para o
maior número de pessoas possível, responder às perguntas que vêm, etc.; é um
contato com o mundo inteiro que se dá ali.
Quando chega a hora de
encerrar o expediente, a agência de notícias fecha e o indivíduo, que esteve
ali o dia inteiro em contato com o que há de mais moderno no acontecer do mundo
contemporâneo, sai. Ele deixou um automovelzinho qualquer encostado ao Palácio
da Senhoria. Chove, ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho,
cansado, chega até lá e toma seu automovelzinho qualquer encostado ao Palácio
da Senhoria. Chove, ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho, cansado,
chega até lá e toma seu automóvel.
Ele está com o pensamento, com o temperamento e todo o modo de ser dele completamente voltado para o mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa loggia e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem nenhuma providência a tomar a respeito disso.
Ele está com o pensamento, com o temperamento e todo o modo de ser dele completamente voltado para o mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa loggia e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem nenhuma providência a tomar a respeito disso.
Podemos imaginar esse homem com dois modos de ser distintos:
um é o indivíduo atolado no mundo moderno do qual gosta, e que passa perto
disso como uma coisa importuna. Se ele olhar para ela, tira o espírito dele dos
gonzos do seu ganha-pão para considerações com as quais ele não tem nada o que
fazer. Então, o Palácio da Senhoria, para ele, é uma coisa com a qual ou sem a
qual o mundo vai tal e qual.
Se, pelo contrário, ele tem
um grande espírito, distancia-se um pouco e, apesar da chuva, pensa: “Deixe-me
descansar um pouco, olhando essa beleza. Vou tomar um “banho” de alma pensando
nisso, contemplando um pouco isso.” Entra no automovelzinho, dá um giro, recua
o veículo e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, ele fica olhando pela
enésima vez em sua vida o Palácio da Senhoria. Aquilo entranha na alma dele, a
qual fica rica de um depósito de arte que é uma coisa incomparável.
Homens como este último são incomparavelmente mais raros do
que os do primeiro tipo.
A Ponte Vecchio
Gostaria de chamar a atenção
para a cor desse rio. Tem-se a impressão de um cristal colorido, de um verde um
pouco dado a certo tipo de musgo, que se tornou líquido e está correndo lentamente.
Trata-se do famoso Rio Arno de Florença, de águas lindas, e em cujas margens se
sucederam fatos históricos extraordinários.
Sobre ele passa a conhecidíssima Ponte Vecchio. Para
compreender a constituição dessa ponte, precisamos nos reportar às condições
militares da cidade de Florença na Idade Média, com muralhas de todos os lados
para se defender contra as agressões de fora. Naturalmente, havia uma grande
vantagem para os florentinos em morarem dentro do espaço protegido pelas
muralhas, porque quando havia cercos, a família, com seus pertences, estava a
salvo do incêndio e do saque dos adversários que, muitas vezes, a primeira
coisa que fazem quando investem sobre uma cidade é arrasar as construções
localizadas do lado de fora e tocar fogo, para as muralhas ficarem atingíveis
de alto a baixo.
Acontece que, sendo muito caro aumentar as muralhas, os
habitantes se espremiam dentro da cidade. Assim, por falta de lugar onde
colocar as pessoas, certas casas foram construídas em cima da ponte. E algumas
até suspensas, meio com base na ponte, e meio no ar, com uma suspensão muito
sólida, sem qualquer perigo de ruir. Compreendo que isso deixasse apreensivo a
algum de nossos contemporâneos. Eu, entretanto, dormiria ali completamente
despreocupado.
Vemos, assim, de um lado e de outro, ao longo da ponte,
prédios suspensos por meio de apoios fixados na própria ponte, o que indica uma
falta de espaço tremenda! No andar térreo funciona algum comércio e, em cima,
habitações.
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