Nascida de um conjunto de circunstâncias e,
sobretudo, de graças especiais, a Sainte Chapelle não foi concebida apenas por
um artista, mas por um ambiente e um modo de ser que caracterizou a alma
medieval.
Lembro-me
de quando, há muitos anos atrás, visitei por primeira vez
a Sainte Chapelle, edificada por São Luís Rei a fim de abrigar uma preciosa relíquia: espinhos da
coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao entrar, fiquei encantado!
O
recinto sagrado possuía dois patamares, sendo o inferior reservado aos
servidores e empregados da corte.
Zeloso
pelo bem espiritual de
seus súditos, o Rei se comprazia em
assistir à Santa Missa em presença
de todos eles. Celebrava-se, então, o Santo Sacrifício
na parte superior da capela para a corte, e,
concomitantemente, na inferior
para os criados.
Chamaram-me
a atenção as proporções da parte inferior, que são inteiramente diversas do que encontramos habitualmente.
Quando nos indagamos se o ambiente é alto, logo
chegamos a uma conclusão negativa;
porém, se nos perguntamos se ele é
baixo, percebemos que
tal afirmação seria exagerada.
Esse ambiente possui uma
proporção especial para quem nele se detenha a rezar, que poderia ser definido assim: um ambiente
elevado, porém muito íntimo, como que o
mais íntimo gabinete de Deus, ou sua
mais interna sala. Esta atmosfera produz
na alma uma perspectiva que concilia a elevação com a intimidade.
Como
se consegue produzir essa sensação? É possível notar que todas as colunas são muito esguias
e tênues, não demonstrando força
rústica. Elas desabrocham como palmeiras, cujas folhas se encontram no teto.
Abrem-se de modo tão harmonioso, gradual
e perfeito, que
causam a impressão de que o teto está a
uma grande altura, onde acabam as
folhas das palmeiras, ao mesmo tempo em que esta altura pode ser alcançada
pelo homem. Fica-se assim misteriosamente elevado. Na intimidade sente-se uma
grande elevação, e na elevação uma grande intimidade. O homem mede toda a
grandeza de Deus, mas se sente atraído até Deus. Afetuosamente e carinhosamente
elevado.
Doce e suave
penumbra
Ao subir
ao andar superior,
vemos que a iluminação do ambiente
emana dos belos vitrais, de tal forma
que uma doce e suave penumbra era
o elemento dominante desse recinto.
Havia um presbitério com o altar para as celebrações litúrgicas, e as
naves laterais onde permaneciam os fiéis. O ambiente fora feito para receber
muitas pessoas em um pequeno espaço, ou ao menos causar a ideia de que o local era pequeno.
Porém o conjunto
era melhor...
As
ogivas exercem o seu incomparável fascínio sobre os espíritos. Nota-se como são
belas; entretanto, vistas em conjunto, são mais bonitas do que cada uma em particular, à semelhança da
Escritura quando diz que Deus, ao criar
o universo, repousou no sétimo dia,
considerando a obra que tinha
realizado. E que
se Lhe tornou
patente que cada
coisa era bela, entretanto o conjunto era superior a
cada coisa em particular. Bem se pode
aplicar esse princípio à Sainte Chapelle. Todas as colunas são belas, as
pinturas as tornam ainda mais belas, mas
o conjunto é muito superior a tudo. O mais belo é o conjunto.
Toda
a leveza, delicadeza e elevação da Sainte Chapelle fazem-se notar não apenas no
teto ou na torre, mas também num
detalhe: um florão, no qual pousou um anjo. A figura do anjo está numa tal
proporção com o florão, que se diria que,
ao menor movimento dele, o florão
vergava e ele perderia o equilíbrio. É semelhante a um pássaro que
pousasse sobre uma flor
O
ângulo formado por ambas as partes das
ogivas causam a impressão de que o teto está apertado. Entretanto, essa forma
esguia aumenta o efeito de leveza. Pois
quanto mais o teto é espaçoso, tanto
mais causa a impressão de rude, enquanto
que, tanto mais
estreito, maior é
a impressão de que vai atirar-se
ao céu. Também a torre do campanário é
como um gráfico do desejo do homem
medieval de subir até Deus. O próprio colorido do céu aumenta a beleza
da Sainte Chapelle, pois ela seria mais
bonita imaginada no meio das nuvens e
construída no céu, do que nesse vale de
lágrimas.
Monarca guerreiro
para um reino de paz
A
imagem de São Luís proporciona uma ideia real do que poderia ter sido esse santo rei. Vê-se nele uma indiscutível
majestade real. Não
a majestade de um rei agressor e
anexador de terras que não lhe pertencem, mas de um monarca defensor, firme e tranquilo de seus direitos, seguro de
terras que recebeu e sobre as quais
tem o direito
de mandar. Um
rei guerreiro, que
combate se necessário, por ser o
seu dever, para manter a integridade do seu reino. Sua fisionomia traduz uma determinação e uma
decisão admiráveis.
A
atitude e a fisionomia de São Luís causam
a impressão de
calma, segurança, e de uma determinação a qualquer extremo, no caso
de ter
de lutar, que
demonstram bem o rei cruzado e batalhador que teve guerras para sustentar, mas que soube
orientar essas guerras de tal modo que não só saiu-se vitorioso, mas proporcionou a seu povo um reinado de paz.
O irrealizável
feito realidade
Poder-se-ia
afirmar que a Sainte Chapelle é feita de vitral, de tal forma o que há de pedra
é o estrito necessário para sustentar
os vitrais e
escorar o teto. O restante é todo feito de cristal ou de vidro tão bem
trabalhado na diversidade de cores, na
precisão dos desenhos e na elegância
das formas, que chega a tocar no inimaginável.
Ao
entrar nessa capela, tem-se a impressão
de que o irrealizável tornou-se
realidade, e o
que surge à
mente é a seguinte ideia: “Não pensava que fosse possível, com os elementos
desta terra, realizar uma coisa tão semelhante
ao Céu.” Realmente, isso se tornou possível devido à
Fé.
Caso
esse edifício não fosse concebido por almas elevadas à vida sobrenatural pela
graça — remidas e resgatadas pelo
sangue preciosíssimo de
Nosso Senhor Jesus
Cristo, que lhes abriu as portas do Céu
e lhes infundiu a abundância da graça —, e construído em séculos de
Fé, por
sua própria capacidade
o homem jamais cogitaria uma
maravilha como essa.
Extraordinária
inocência
A
Sainte Chapelle deixa entrever uma extraordinária inocência de alma, o que
permitiria chamá-la a Capela da Inocência. Para conceber algo assim, a alma
precisa ser profundamente inocente. A Sainte Chapelle é a obra-prima da temperança, nela tudo é lindo, magnífico e arrebatador. Porém,
com um equilíbrio que permite à
inocência atingir o auge de seu
entusiasmo. Auge sereno, calmo,
refletido, o qual frutifica em meditação e contemplação.
Plinio
Corrêa de Oliveira – Extraído de conferência de 12/4/1989 Revista Dr Plinio 147
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