Quando dispôs que as águas corressem pelas vastidões do mundo, Deus não teve em vista apenas o papel primordial que a elas caberia na existência da criação terrena. Em sua infinita sabedoria, quis o Altíssimo unir a utilidade à formosura, ao encanto e, não raras vezes, ao maravilhoso. Donde possuir a água o especial predicado de tornar mais belo tudo quanto nela se reflecte.
Despretensiosa, ela mesma não se espelha em nada, mas aquilo que se debruça sobre sua líquida superfície e aí se reproduz, toma um carácter de beleza celeste, de beleza de sonho, de beleza irreal, de mundo das maravilhas, numa palavra, de paraíso perdido.
Extraordinária ilustração dessa verdade é o Castelo de Chenonceaux, cujo idealizador soube explorá-la de modo ímpar. De fato, tem-se uma sensação paradisíaca vendo fluírem as águas do Rio Cher, tão plácidas, tão límpidas, tão marcadas pelo azul do céu, e, sobre elas edificado, nelas se reflectindo, o feérico e imponente castelo. Imponência e feeria que lhe vêm, precisamente, da ideia de construí-lo em cima de uma ponte, de maneira tal que ele, por assim dizer, esta como um cisne sobrenadando na serena correnteza do Cher.
Sim, este é um castelo-cisne. Ele flutua todo leve na superfície docemente móvel das águas. Ele é uma fantasia, um sonho.
Na genialidade de sua concepção, Chenonceaux reúne qualidades opostas e harmônicas, como força e graça, delicadeza e estabilidade, que acentuam a rara beleza desse ósculo perene que as pedras depositam nas águas. Força e estabilidade no maciço de suas bases, na quadratura monumental de seu vulto, algum tanto guerreiro na altivez de suas torres. Graça e delicadeza nos cinco arcos que o sustentam sobre o rio, nas grandes janelas, nas mansardas e no teto que são de uma louçania, uma diversidade e um encanto quase musicais. No lado oposto, maneira de último eco de Chenonceaux, um torreão, resquício de uma antiga fortaleza medieval, sólido, heróico, inamovível, e que leva ao mais alto grau a sensação de estabilidade.
Essa reunião de harmonias tem uma espécie de ponto final, vivo e agudo, na chaminé, cujo perfil parece querer significar que o corpo do castelo ali termina belo e altaneiro.
Mas, como todo esse maravilhoso ficaria diminuído, se, em vez de água, sob seus arcos passasse uma estrada de terra, poeirenta e comum! No lugar de diáfanas imagens aprofundando-se no rio, ter-se-ia o barulho e a trivialidade dos mais variados meios de transporte cortando a estrada em ambas as direções.
Imagine-se agora, Chenonceaux numa linda noite de luar: salas, quartos e mansardas ¡iluminados, deixando filtrar pelas janelas a cintilação de suas luzes, que se refletem, trêmulas, inconstantes, no rio que corre. Do interior do castelo evolam-se risos, perfumes, suaves melodias, agradáveis ruídos de uma festa, que se confundem com o discreto murmúrio das águas fluviais. E então temos a sensação de estarmos diante de uma grandiosa nau, onde se leva uma vida de requinte, de distinção, de nobreza, de imensa classe; em suma, uma existência inteiramente diversa da que se vive em nossos dias.
Tudo isso considerado, poder-se-ia ponderar que, envolto nessa atmosfera de sonhos, ao habitante desse castelo faltasse a apetência de bens mais altos que os da Terra. Ou seja, careceria ele de espírito sobrenatural e do desejo das raquetas celestes.
Talvez assim fosse para o homem da Renascença francesa. Não, porém, para o homem deste pragmático, industrializado e insípido sáculo XX. Para este, Chenonceau é um símbolo de magnitude e elevação de alma.
E para quem souber contemplá-lo com olhos católicos, Chenonceaux será sempre motivo de maravilhamento.
Será sempre o castelo-cisne...
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