O mobiliário dessa sala é
elegante, leve, também constituído de tapeçarias, e habilmente disperso pela
sala, de maneira que se tem, ao mesmo tempo, impressão de muita mobília, mas há
vazios importantes. Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios importantes.
Eu já tenho visto sala empetecada de móveis, não se pode dar um passo sem
esbarrar num cacareco. Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da boa
decoração.
Orquestração fabulosa de riquezas de espírito
Os vazios são indispensáveis
para o ornamento de uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau, que
estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo tempo, de muita mobília e de
nada de atravancamento; isso é agradável. A beleza cromática da sala é a
seguinte: os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra por eles é,
inteiramente, a luz do dia. Não é aquela luz leitosa da galeria.
Mas essa luz do dia, no que ela
tem de cru, é compensada por um mundo de cores. Quase se poderia dizer que
todas as cores possíveis estão representadas aqui, mas para não ficarem
sobrecarregadas, todas elas em estado muito pálido. E um mundo de cores muito
pálidas não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que se fundem umas
nas outras, mas divertem e descansam os olhos maravilhosamente.
Creio ser indiscutível que essa
sala dá uma ideia de fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende
é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas que se fundem umas nas
outras; é uma orquestração fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas
culturais. No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um pouco insípido não
ter uma nota viva. E, a ter uma nota viva, o vermelho é o mais bonito. O
vermelho-cereja, dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas, é um
jato. Como um cozinheiro, que entende das coisas, sabe pôr na elaboração de um
prato um pouco de pimenta, para realçar todo o resto.
A porta é feita com a
preocupação de constituir um elemento decorativo a mais dentro da sala. Então
ela mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito delicados, leves, que
contrastam com o sobrecarregado das laterais. O contraste de sobrecarregados e
leves forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada.
Manifestamente, nota-se aí a
tendência a construir uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um
pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia de que o homem é feito
para coisas maiores do que as coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para
algo maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de movimento rumo ao
Céu. Esse é o lado religioso do assunto.
Esplendor do luto com certa nota de severidade
A sala de estar da Rainha-Mãe,
quase não se sabe se é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa do
que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe — por definição a
viúva e tudo quanto acompanhava a viuvez — tinha uma certa nota de severidade.
Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem uma vaga reminiscência
de todo o esplendor do luto. É uma sala de avó, tendo um certo compassado que a
alegria e o esplendor da outra sala não possui.
Isso corresponde à ideia
daquele tempo de a viúva usar até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo
quando se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de muito sério é
compensado por inúmeros arabescos finos. Então, há aqui um mundo de formas,
flores, grinaldas, guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.
E uma coisa que fica muito
bonita é o espelho, certamente feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos enormes,
profundos — e que é como uma janela aberta, o que também torna alegre o
ambiente. Depois, tapeçarias colossais, que também dão gáudio à sala.
Os quadros sobre as portas dão
à passagem quase a majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima,
muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por causa do protocolo da corte.
Para os filhos ou netos de um rei, as duas folhas da porta se abriam, o
alabardeiro dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade, a Rainha, ou
Sua Alteza Real...” Quando era para um príncipe de sangue real, mas não filho
ou neto de rei, abria-se uma só face, como também se fazia para todo o resto da
nobreza.
De maneira que era de grande
estilo a pessoa, digamos a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros que
abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados e gritavam: “Sa Majesté, la
Reine!” Então, reverências, etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um
cerimonial, quase um pano de boca de um palco; daí seu caráter triunfal.
Isto estava nos hábitos do
tempo, porque entrar e sair eram uma arte. Não se faziam esses movimentos como
um frango entra ou sai do galinheiro. A entrada e a saída de uma pessoa
marcavam a sala.
Observem a beleza dessa mesa,
com as pernas trabalhadas e sobre ela uma taça de porcelana policromada muito
bonita. Tudo em nível mais discreto do que o jogo de cores feérico.
A Revolução vai se adensando: melancolia e moleza
Sala de Conselho de Luís XV. O
gênero de beleza evoluiu do tempo de Luís XIV para Luís XV. Enquanto a nota do
raffiné1 de Luís XIV era imponente, em Luís XV, que já marca uma certa
decadência, o raffiné é gracioso. Então, é um esplêndido de gracioso, mas o
gracioso é um valor menor que o imponente, e nisto está a decadência.
Os ângulos retos desaparecem,
ou como que desaparecem; o ângulo reto exprime muito mais a força do que o
arredondado, que representa o jeito, a conciliação, o sorriso. Por outro lado,
as cores se tornam — sob algum ponto de vista — mais delicadas, e um certo ar
triunfal, que tinham as salas de Luís XIV, desapareceu. Não é uma sala feita
para um rei vencedor do mundo, como Luís XIV pretendia ser e, em alguma medida,
foi; mas é para um rei que leva uma vida gostosa e, nas horas vagas, realiza
uma reunião do Conselho.
Desta sala não sai a conquista
do universo, nem a prevenção da Revolução que vai se formando e adensando.
Considerada sob o aspecto da pulcritude, ela exprime o maravilhoso gracioso e,
neste sentido, ela o exprime magnificamente. E a linha da feeria continua inteiramente
afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela é até mais raffinée do que as salas
de Luís XIV.
E notem uma coisa curiosa:
dentro de todo esse gracioso há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela
alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com todos os encantos do
crepúsculo, mas já não é aquela coisa maravilhosa da aurora.
Essa sala, com todo o seu
maravilhoso, poderia ser de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia ir
além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa de perigoso, porque se uma
pessoa fica muito tempo aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras
salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é o anestésico do otimismo.
Está tudo arranjadinho, redondinho.
As cadeiras já são um pouco
dadas ao anatômico, por incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira
com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras têm perninhas
baixinhas. Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas dominantes
nessa sala.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído de conferência de 31/10/1966
1) Refinado, requintado.
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