O equilíbrio francês cheio de sabores
Temos um exemplo neste
panorama que vemos aqui. Eu o considero de uma alta categoria. Onde está a
beleza do quadro que contemplamos?
Analisem elemento por
elemento. A grama é de um verde-esmeralda que nos nossos trópicos não se
encontra. No meio da grama, a coisa mais comum do mundo: um caminho
inteiramente reto. Bem no fundo, um castelo.
O que tem esse castelo
propriamente de maravilhoso? Na fachada, não se vê uma estátua e quase nenhum
ornato. Não se nota no castelo nada que deslumbre. Não é uma construção cara;
custa preço alto apenas porque é grande, tem muito tijolo, material com que se
faz qualquer casa. Entretanto, eu acho que seria um absurdo não reconhecer a
isto a nota do equilíbrio, do maravilhoso. Mas qual é o maravilhoso? É o
maravilhoso do equilíbrio, da coisa bem pensada, bem estudada, e feita com
categoria: aqui está o esplendor do equilíbrio. E é o equilíbrio francês, cheio
de toda espécie de sabores.
Observem primeiramente o
prédio, depois o resto.
O prédio é composto de
uma espécie de torreão central, que não é uma coisa bojudona, fazendo assim o
papel de um tórax, de um abdômen, perto do qual o resto são duas asinhas. Pelo
contrário: é uma coisa fininha, esguia, terminada, para acentuar a ideia do
fino, por um teto pontudo. Mais ainda, de um lado e de outro há duas chaminés
altas que realçam ainda mais a ideia do pontudo, porque elas terminam em ponta;
e no alto uma espécie de campanariozinho — um mirantezinho, uma pequena cúpula
— suportado por coluninhas. E essa ponta termina numa janela com uma ponta,
tendo do lado duas pontas. Essa parte central do prédio é toda leve, esguia,
fininha; mas está de tal maneira no centro, é tão bem pensada, que ela não faz
o papel de raquítica, de nenhum modo, em relação aos dois extremos atarracadões
e bojudos que se encontram num ponto e no outro.
O governo, a linha
rectrix do prédio está bem no centro. É a graça dominando a força, Jacó
reprimindo Esaú, as coisas pesadas coordenadas em torno da leve. Não sei se
percebem o alto pensamento, a afirmação da superioridade do espírito que há por
detrás disso: é o triunfo da graça sobre a força, a faculdade ordenante da
inteligência sobre as coisas da matéria.
Alta categoria
Entretanto este
contraste entre a parte central e os dois extremos é equilibrado — porque todo
contraste equilibrado deve possuir termos intermediários harmônicos — por dois
corpos de edifícios iguais, nem tão esguios nem tão bojudos, mas que ficam
entre uma coisa e outra, preparando a transição. As fachadas laterais são mais
largas que a central, os cimos mais esparramados e não terminam em ponta, mas
em cones truncados. No alto, há uma janela só no centro, e três janelas nas
partes laterais. Usa-se nas gerações mais novas uma expressão um pouco popular,
mas que às vezes tem uma certa força de significado: “Que coisa bem craniada!”
Porque é preciso ter crânio para fazer isso.
Esse castelo não foi
feito por bobo, nem para bobo, porque é muito discreto. É como quem diz: “Se tu
não me percebes, eu não te digo. Sou para quem tem quilate; diante de mim há
mata-burro.” Ou então: “Se tu me julgas banal, eu te julgo trivial. Os eleitos,
os seletos venham a mim. Eu sou feito para poucos.”
Vemos que tudo isso é de
alta categoria, realizado por cabeça superiormente orientada.
O gênio francês
Nos extremos, observamos
a coisa curiosa. Esses corpos de edifícios são atarracadões; não tanto
atarracados porque possuem três janelas — porque os laterais também têm —, mas
devido ao espaço maior entre as janelas, e, sobretudo, pelo teto pesadão e
grandão, que constitui uma tampona. Mas o muito pesadão horrifica o gênio
francês, e por causa disso, no meio do pesadão há algumas coisas que o
equilibram.
Imaginem que pesadelo
seria essa tampa grande se não houvesse essas janelinhas pequenas em cima,
redondinhas! Como elas dão um sorriso que compensa a carranca dessa imensidade
de ardósia do teto! Por detrás, as chaminezinhas e os campanariozinhos evitam
que isto tome a aparência de um calcanhar achatando a ala do castelo. Apesar de
tudo, isso é pesadão, a parte intermédia é meio leve, e o centro é levíssimo.
A altivez do castelo
está no que ele tem de mais gracioso. É como quem diz: “Forte eu sou, mas,
sobretudo, eu me prezo de ser inteligente. Em última análise, eu sou completo,
porque tenho tudo. Tenho muita força, mas tanta inteligência que, em mim, a
inteligência domina a força. Eu sou equilibrado.”
Isso é um equilíbrio de
primeira categoria, é degustação, porque se degusta isso como um prato
saboroso! Isso é turismo! Viajar pela Europa quer dizer ir percebendo essas
coisas. Não basta ouvir o que um guia fala, mas é preciso ver o que o artista
diz, o que o ambiente que inspirou esse artista tinha a sofreguidão de
contemplar.
Vemos aqui uma aplicação
da noção de equilíbrio. Quando São Francisco de Sales afirma que no meio está a
virtude, pensem nesse torreãozinho e encontrarão a explicação. Não é um
equilíbrio sensaborão, mas sim cheio de sal; é o gênio francês.
Esse gênio francês,
muito discretamente, se faz sentir noutra coisa: é o quadro. O castelo é,
talvez, um pouco discreto demais. Então, ele é realçado pela perspectiva: um
grande parque. Ele é tão simples nas suas linhas e nos seus enfeites que, se
houvesse canteiros com muitas flores e esguichos, ele ficava pobre; então, ele
tem um simples, mas esplêndido tapete de esmeralda para lhe servir de
apresentação, e arvoredos formando, um pouco longe dele, moldura. Dir-se-ia que
ele sai de dentro de um mundo de delícias e de mistérios que essas árvores
encobrem; ou a clareza e a lógica cercadas de imponderáveis. Outra forma de
equilíbrio. Eu acho isso maravilhoso.
Perceber essas maravilhas é um dos prazeres da vida
Os caçadores! Notem a
posição deles! Tenho a impressão de que é uma fotografia tirada
espontaneamente, mas a pessoa que fotografou o fez tão bem, que se um encenador
devesse colocar esses caçadores numa posição bonita, ele os poria assim. Querem
uma coisa mais sem graça do que, por exemplo, todos andando na mesma linha?
Estragaria o quadro. Ou um cavaleiro aqui, outro ali, outro lá, outro acolá,
etc., seis manchas de vermelho, sem sentido... Aqui não. Há um misto de
distância e proximidade, fantasia e ordem dentro da distribuição deles, que faz
com que sejam deliciosos de ver. Observem, por outro lado, o estilo. Os
caçadores estão parados, tranquilos, de uma tranquilidade pronta para a ação. E
a ideia da efervescência da caçada não é dada pelos homens, mas pela
cachorrada: um ferver de cães famintos, dispostos para correr. E os caçadores
sólidos, mas elegantes — porque são homens elegantes —, montados em cavalos que
não têm nada de espetacular, mas espetacularmente proporcionados ao conjunto.
Com toda a distância psíquica2, os homens se preparam para uma caçada que vai
ser feroz, por vales e por montes, tocando cornetas etc.; a demarragem é
equilibrada.
Não é verdade que para
degustar um dos prazeres da vida, que tornam a existência humana digna de ser
cristãmente vivida, é preciso perceber essas coisas? Mas perceber com o rumo ao
Céu.
Reflexo da Igreja Católica
Esses valores de
espírito são assim porque essa civilização foi cristã. Porque há o precioso
Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, a graça, o Batismo, a Igreja Católica
dentro disso. Isso é, no fundo, um reflexo da Igreja Católica. Se não fossem as
virtudes cristãs, isto não teria sido assim.
Então não é um puro
gáudio dos olhos, nem da inteligência que se tira daí, mas acima disso é um
gáudio superior do espírito, considerando uma ordem transcendente de coisas,
onde existe um Deus pessoal, sobrenatural, que nós contemplaremos face a face,
e no qual todas as formas desse equilíbrio se realizam de um modo tal que isto
é uma imagem do Criador. Mas Deus é tão mais do que isto, que Ele até não é nem
um pouco assim. Isto se encontra n’Ele de um modo insondável e incapaz de ser
imaginado por qualquer criatura. Assim é a Terra como a bênção de Deus a fez,
como a civilização cristã a modelou. Esta é a figura do Céu para o qual nós
vamos.
Temos aqui um termo
religioso para uma meditação sobre uma coisa profana.
Esse castelo é católico
em si; tal equilíbrio sem a graça não se consegue. É uma tradição constituída
por homens que em certo momento receberam a graça e tiveram esses valores. Aqui
está o equilíbrio católico.
Plinio
Correa de Oliveira – Extraído de
conferência de 12/5/1969
Nenhum comentário:
Postar um comentário