• sexta-feira, 14 de outubro de 2011

    O Escorial

    A somente 40 quilómetros de Madri, na Serra de Guadarrama, se ergue o imponente conjunto do Escorial. Sua planta é em forma de grelha — o instrumento de martírio de São Lourenço — para celebrar a vitória dc Filipe II, no dia da festa deste Santo sobre os franceses protestantes em Saint Quentin.
    A forma da construção é regular. A beleza dos campanários contrasta agradavelmente, na sua diversidade, com o que o palácio tem de linha muito severa.
    Na larga fachada, enormes janelas se repetem. Coroando as esquinas dos pavilhões, tetos estilizados apontam para o alto, encimados por esferas que parecem querer elevar a terra até o Céu.
    A primeira vista, a fachada do Escorial pode parecer monótona. Entretanto, um bom observador notará nela traços da grandeza espanhola: certa forma de austeridade e segurança de si que apresenta sem adornos, em sua simplicidade. Por trás da monotonia das incontáveis janelas se esconde a pertinácia e o desafio, como quem diz ‘Sou assim e não [quero ser] de outro modo”.
    Para saborear esta forma de grandeza presente no Escorial, é preciso saber interpretar o génio espanhol. A grandeza espanhola é como a de um gentil—homem combatente. Nela vencem e se impõem a seriedade e a lógica, com uma nota de melancolia levemente lúgubre. Ao mesmo tempo, o espanhol tem um olhar firme, posto no adversário, Ele — que se manifesta elegante e festivo, cheio de rendas e castanholas, na hora da luta, quando vai enfrentar a morte — torna-se pensativo e até um pouco enfadado na hora do sossego. O Escorial, calculado com tanta simetria, representa o espanhol no momento de sossego: em sua lógica, em sua dignidade, em sua austeridade combativa, que o dispõe a partir a qualquer momento para a batalha.
    Quem haja visto, por exemplo, a sala dos embaixadores do Escorial, poderá ter observado uma das notas típicas da decoração espanhola: grandes paredes desnudas, brancas, quase pobres, contrastam com a monumental porta, que é quase um arco do triunfo. O esmerado trabalho da porta, por assim dizer, ganha um brilho especial em função do desnudamento da parede. O conjunto é grandioso e ao mesmo tempo austero.
    Na capela, de uma riqueza extraordinária, sobressai o lindíssimo grupo escultural que representa Nosso Senhor no Calvário, junto a Nossa Senhora e alguns Apóstolos. O emolduramento é em mármore precioso, e os trabalhos são certamente dos melhores pintores do tempo. Estão reunidas aqui a arquitetura, a escultura eu pintura para glorificar Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora.
    No Escorial, tudo é austero ou rico, nada é ordinário ou vulgar.
    Iluminado à noite, o Escorial aparece na sua magnificência, deixando compreender melhor toda sua vivacidade, todo o dinamismo desse imenso edifício estático. Contribui muito para destacar seu esplendor o reflexo nas águas. Ali é o lado sonho que transparece, enquanto no próprio castelo é o lado realidade.
    Vê-se o Escorial em sua austeridade, com o número incontável de janelas todas iguais, de mansardas também iguais, e quatro torres chatas das quais se levantam esguias setas. O palácio é estaqueado por um muro o qual, para adquirir mais leveza, tem arcos também todos iguais. Esse conjunto, tão forte e hirto, se reflete esplendidamente no conto de fadas da água, resultando na harmonia e doçura do Escorial.
    O Escorial é bem um reflexo da alma de Filipe II, rei estático e majestoso, entre os que mais o foram, mas cujo olhar e cuja política removiam a Europa inteira, a fim de golpear o protestantismo.

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