A contemplação das fotografias do Castelo de Vincennes dá-nos a ideia da beleza que, sem se cansar nem se repetir, entretanto se desdobra.
Ao lado
da torre, encontramos uma construção bem posterior à Idade Média; perto delas
está um caminhozinho, tão pacífico e pitorescamente irregular, junto ao fosso no
qual outrora habitou o terror.
Neste
castelo, as pedras de certa forma parafraseiam o dito de Rostand, em sua obra
“Chantecler”, pois elas como que afirmam: “Ó História, sem a qual estas pedras não
seriam senão pedras”. Essas pedras são relíquias históricas.
Cortinado
de folhagem - Sociedade orgânica
Numa
das fotografias, observa-se um cortinado magnífico da folhagem, que de certa
forma ilustra uma tese muito cara ao nosso Movimento: a da sociedade orgânica.
Dificilmente
o mais caprichoso dos desenhistas, ou até dos paisagistas, imaginaria uma
folhagem assim, constituindo essa cortina. Ora, na vegetação europeia há
milhares de coisas semelhantes, totalmente imprevistas e que a natureza produz simplesmente
porque os homens não se meteram e a deixaram fazer o que ela quis. Ou seja,
Deus ordenou essas criaturas de tal maneira que, pela vontade d’Ele e pelo jogo
das causas segundas, elas produzem coisas lindas.
E uma
das nossas teses é esta: nem tudo deve ser dirigido, planejado, organizado, mas
precisa-se deixar que boa parte das coisas viceje por si mesma, tornando-se
elas mais belas do que se fossem ordenadas. É precisamente o contrário do
Estado totalitário.
Considerem
a parte da muralha e da vegetação iluminada pelo Sol. Que modesta, mas
magnífica beleza essa vegetação empresta à muralha construída pelos homens! Mas
não houve um plano.
A
fachada

Vincennes
é lindíssimo! O estilo é gótico, com enfeites de significado certamente
heráldico. As ameias formam um unum com as torres ornamentais.
Vemos o
fosso e a ponte, a qual, outrora, naturalmente foi levadiça. Podemos nos
imaginar ali, observando a água, a ponte levadiça que desce, e a beleza dessas
pedras banhadas pelo Sol. Idade Média! E alguns cruzados montados a cavalo ou,
pelo menos — e quanto menos! —, alguns nobres e altivos mosqueteiros.
O
telhado de ardósia azul...
Quero
fazer um comentário de uma coisa muito mais banal, à qual nossos olhos de sul-america- nos não estão habituados: a ardósia
azul, que é uma verdadeira maravilha.
Não
posso me convencer de que não seja possível fazer telhas de qualidades variadas
e de cores lindas.
Aqui no
Brasil há algo muito bonito; vi, por exemplo, em Pindamonhangaba — mas existem
em vários outros lugares —, telhados de casas, que se prolongam muito além da
parede, para proteger da chuva as pessoas que passam. A parte de baixo é feita
de bonita porcelana antiga, e a de cima, de material próprio para escoar a
água.
Não
haveria um modo de pôr algo de porcelana na telha moderna? De fazer telhas de
boa qualidade e fabulosamente bonitas? Nós, que inventamos tanta espécie de
matéria plástica, não poderíamos fabricar telhas mais belas do que as feitas de
terra? Quanta coisa linda não se faz por não haver vontade de fabricar o belo
ou, mais diretamente, por haver desejo de não produzir o belo!
No
Jardim América1 há uma casa entre média e pequena, com ardósias verdes, muito
bonitas. As famílias daquele bairro são abastadas, mas essa não é uma casa
rica. Quer dizer, não deve custar muito aquela ardósia.
A
Capela
A capela
é muito bonita! Notem a rosácea e o rendilhado de um alto triângulo, talvez
símbolo da Santíssima Trindade, repetido pelo triângulo situado mais acima e
atrás. Percebe-se algo da solenidade do interior.
Para
dar vazão às águas da chuva, há alguns prolongamentos que ficam bonitos na
construção.
Esta
igreja é como um santo quis que ela fosse. Quer dizer, reflete inteiramente a
alma dele e a ortodoxia da Igreja.
Sob certo
aspecto, a capela parece tão frágil que quase se tem a impressão de ser uma
bonbonnière. Mas suas torres mostram sua força; causam a sensação de serem
quase torres de batalha.
A força
está aliada à delicadeza, de modo extremo. É verdadeiramente estupenda!
Observem a grande altura das janelas!
Todas
as partes que terminam em pontas foram construídas para a consolidação do
prédio, e proporcionam-lhe verdadeira beleza e leveza. Se essas pontas fossem
retiradas, o edifício perderia enormemente. Realmente são lindíssimas, uma
obra--prima!
No
portal há grande número de esculturas. Examinando-as, percebe-se que cada uma
dessas fisionomiasinhas tem sua expressão e seu valor artístico, às vezes muito
marcante.
Talvez
alguns desses vitrais sejam antigos. Se todos eles fossem inteiramente
reconstituídos, teriam grande beleza. É bonito ver aquela enorme mancha de luz,
a qual se repete no meio da sombra.
A renda
de pedra é um deslumbramento!
Num dos
vitrais as cores são claras, pois a luz do Sol entrava aos borbotões.
Que voo
de espírito uma janela como essa ajuda a ter! É assim que se formam grandes
almas.
Não sei
se, em matéria de cores, foi inventado na História algo tão belo como os
vitrais. Nem mosaicos, nem quadros, ou qualquer outra coisa me agradam tanto
quanto o vitral.
Torreões
Consideremos
a glória e a graça dos torreões. São torres edificadas sobre outras torres,
para que o vigia pudesse, nos dias e nas noites de guarda, ver bem de longe se
o inimigo se aproximava.
Quantas
incertezas numa noite de vigia! Um grupo de luzes suspeitas se movimenta em
direção ao castelo: seriam peregrinos que caminham, ou um exército? Passa uma
nuvem, uma neblina, o vigia ora vê, ora não vê; que luta para observar tudo!
Por fim, ele tem alegria quando o Sol se levanta e é substituído pelo soldado
que vem começar a vigília diurna, tão mais leve e mais fácil.
As
torres proporcionam, de certa forma, uma bonita lição a respeito do que há de
nobilitante na desigualdade. Uma delas, tão mais alta do que a outra, está numa
relação de rei para senhor feudal. Mas é uma honra para a menor estar perto da
mais alta; uma delas como que cresce em altura; e a altura da última é
ressaltada pela menor. É a nobre beleza do convívio entre desiguais.
Possui
arcadas e, em cima, uma galeria, uma passagem com balaústres, nobres linhas
altas, mas com qualquer coisa de festivo, que não era compatível com a
seriedade medieval.
Nota-se
o contraste dos dois estilos. A arcada redonda e a ponta medieval não combinam
bem; a ponta conduz à vitória, mas o conjunto é tão alegre e festivo que o
torreão fica meio esmagado.
O
torreão sobressai de um modo especial, indicando um pouco o que nele existe de
aventura.
Durante
toda a minha vida tive vontade de morar num torreão. Residir numa torre, mas,
dentro dela, dormir no torreão. Parecia-me que ouvir o uivar dos ventos do lado
de fora seria uma verdadeira maravilha.
O
Donjon
Observemos
a altaneria, a força, mas com certo garbo, do donjon. Dir-se-ia que ele se
sente feliz de ter chegado tão alto, e de respirar os ares puros dos locais
elevados; alegre por ser superior àquilo que o rodeia, preside e ordena tudo, mas
sem orgulho. Olhando-o, mesmo de longe, percebe-se que ele incute ideia de
ordem, de tranquilidade, de bom senso, de lógica e de coragem.
Podemos
imaginar sua estrutura interna: em cada andar havia um salão enorme, tendo ao
centro uma coluna. As colunas de pedra, sobrepondo-se umas às outras, faziam a sustentação
dos vários andares do edifício. E nos ângulos existiam saletas para diversas
finalidades: oratório, quarto de dormir; e também saletazinhas, para uma
audiência reservada, guarda de joias, de papéis etc.
E num
desses torreões, o Duque de Beaufort2 olhando, por exemplo, o vasto panorama e
planejando sua fuga.
Talvez
um desses andares tenha sido utilizado para o fabrico da porcelana que deu
origem às celebérrimas porcelanas de Sèvres.
Imaginemos
São Luís morando em alguns ou todos os andares do donjon e, num desses ângulos,
está seu oratório, no qual ele reza.
É o
famoso donjon de Vincennes, uma verdadeira maravilha.
Plinio Correa de Oliveira - Extraído
de conferência de 16/2/1979
1)
Bairro da cidade de São Paulo.
2) Um dos
chefes da Fronda. Foi preso no donjon de Vincennes em 1643, e de lá conseguiu
fugir em 164
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