• quinta-feira, 7 de agosto de 2014

    O maior tesouro de um povo

    Sob o influxo de todas as energias  naturais  e  sobrenaturais  entesouradas nas nações cristãs, foi emergindo lentamente do caos da barbárie na alta Idade Média, a  sociedade civil cristã, a Cristandade.  Sua beleza, de início indecisa e sutil,  mais promessa e esperança que realidade, foi se afirmando à medida que,  com o escoar dos séculos de vida cristã,  a  Europa  batizada  “crescia  em  graça e santidade”. Nasceram por essas energias humanas vitalizadas pela  graça, os reinos e as estirpes fidalgas,  os costumes corteses e as leis justas,  as corporações e a cavalaria, a escolástica e as universidades, o estilo gótico e o canto dos menestréis.
    Os admiradores da Idade Média  se exprimem mal quando sustentam  que o mundo atingiu nessa época o  maximum  de  seu  desenvolvimento.  Na linha em que caminhava a própria civilização medieval, muito ainda haveria que progredir. O encanto  grandioso e delicado da Idade Média não provém tanto do que ela realizou, como da harmonia profunda  e da veracidade cintilante dos princípios sobre os quais ela se construiu.  Ninguém possuiu como ela o conhecimento profundo da ordem natural das coisas; ninguém teve como ela o  senso vivo da insuficiência do natural — mesmo quando desenvolvido  na plenitude de sua ordem própria  — e da
    necessidade do sobrenatural;  ninguém como ela, brilhou ao sol da  influência  sobrenatural  com  mais  limpidez e na candura de uma maior  sinceridade. Ela foi feita de homens  que lutaram e sofreram na realização  desse ideal, e que na sua caminhada  muitas  vezes  recuaram  ou  desfaleceram ao longo do caminho; mas de  homens que sempre continuaram fiéis ao seu ideal, ainda mesmo quando dele se afastavam por seus atos. E daí uma [grande] consonância de todas as instituições, de todos os costumes, de todas as tradições nascidas  nessa época, não só com as circunstâncias  contingentes  e  transitórias  do tempo em que surgiram, mas com  as exigências genéricas da alma humana naturaliter christiana1 e as tendências espirituais peculiares aos povos do Ocidente.
    Tocamos num ponto de importância fundamental. Todos os povos têm  sua mentalidade coletiva e seus problemas  regionais.  (...)  Os  homens,  como  os  cursos  de  água,  poderão  ir correndo para a eternidade. Mas  as nações, como os rios, continuam  sempre os mesmos nos dados essenciais  de  seu  temperamento.  Além destas circunstâncias psicológicas,  há problemas peculiares à situação  geográfica de cada região. (...) Toda civilização cristã há de ser inteiramente cristã, católica, universal,  mas há de se ajustar, há de respeitar,  há de desenvolver e estimular as características de cada região, e de cada povo. (...)
    Nos séculos de civilização cristã,  cada povo teve, pois, suas características próprias, bem definidas. A alma nacional, em todas as suas aspirações universais e humanas, em todas as suas aspirações nacionais e locais, encontrou plena e ordenada expansão dentro da civilização cristã.
    Daí a enorme variedade de formas de governo e de organização social  ou econômica, de expressões artísticas e de produções intelectuais, nas  várias nações da Europa medieval.
    A  expansão  das  tendências  nacionais  causa  ao  povo  um  grande  bem-estar  físico.  A  mentalidade  nacional  inspira  a  formação  de  símbolos,  costumes,  artes,  nos  quais  ela  se  exprime,  se  define  e  se afirma, se contempla a si mesma e se solidifica. Esses símbolos  são um patrimônio nacional, uma  condição essencial para a sobrevivência e progresso espiritual da nação. Eles têm uma consonância indefinível  e  profunda  com  a  mentalidade  nacional,  uma  consonância que é natural e verídica, e não  puramente fictícia e convencional.  Por isto, em via de regra, cada povo  elabora uma só arte, uma só cultura e nela caminha enquanto existe.  O maior tesouro natural de um povo é a posse de sua própria cultura,  isto é, quase a posse de sua própria  mentalidade.
    Plinio Correa de Oliveira - Extraído do “Legionário”, nº 666, de 13/5/1945)

    1 ) Naturalmente cristã.

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