Sempre se concebeu a ponte como
algo de nobre e belo, digno de possuir fisionomia e características próprias.
Ela é uma obra da inteligência e da habilidade humanas, construída para vencer
as dificuldades e os entraves da natureza, impondo assim a vitória do rei da
criação sobre aquilo que o desafia.
A ponte é um hífen entre as
duas partes de um caminho interrompido pelo precipício, pelo vale, por um
rio... Traço de união, ufana-se de não pertencer a nenhum dos lados que ela
aproxima, ciosa de sua individualidade e de sua nobreza. Seja a mais elementar,
estendida numa trilha de roça, seja a mais monumental, projetando-se acima de
águas famosas, ela possui peculiaridades que a diferenciam do restante do
percurso.
Pensemos na célebre ponte da Torre de Londres, sobre o Tamisa. Em determinados momentos, seu leito se divide e se ergue para dar passagem aos navios que, numerosos, sulcam o rio a serviço de um intenso comércio. Em seguida, ela se fecha, permitindo a fluência do trânsito da grande capital inglesa.
Quer na sua posição horizontal,
que nos transmite a ideia de firmeza, de solidez e força; quer quando suas
partes se levantam lenta e solenemente, como se ignorassem a vida ao seu redor,
e o rio começa a ser navegado diante da majestosa indiferença (ligeiramente
indignada e sentida) dos batentes que se abrem — a ponte mantém aquele
semblante próprio, fotografado e filmado de todos os modos possíveis por
turistas do mundo inteiro.

A ponte, monumental, muito à
maneira italiana é adornada com imagens de Santos e de Anjos, e no passado era
favorecida por indulgências: o fiel que a atravessasse recitando determinadas
orações junto a cada imagem, beneficiava-se de tais e tais privilégios
concedidos pelos Papas. Assim, sobre as águas do velho Tibre romano que os
imperadores contemplaram, os Anjos lançam uma fabulosa ponte espiritual,
significando que a intercessão deles ajuda nossas almas a vencerem as
distâncias entre a Terra e o Céu...

Lembra-me, ainda, a Ponte dos
Suspiros, em Veneza. Não reúne dois pedaços de estrada, mas dois corredores de
palácios. Tão simples! Tão pequena! Quase irrisória em comparação com os
gigantescos viadutos modernos. Porém, ao contrário destes, ela é um capítulo da
história da alma humana. Nem precisaria ser autêntico o fato de que passavam
por ela os condenados à morte na Sereníssima República. Pois só a ideia de se
chamar Ponte dos Suspiros a reveste de uma beleza ímpar. Como é nobre suspirar
numa ponte, olhando para a água! Como é lindo! Que melhor lugar para um
derradeiro gemido, um último murmúrio ouvido pelas águas que pranteiam a
desdita de quem caminha para o suplício?
A relação ponte-água nos faz
pensar... A ponte se espelha no rio que passa sob ela. Pode-se dizer que a
alegria deste é fluir por debaixo da ponte, recolher a imagem dela e levá-la
muito além. É a realização dele: passou pela ponte tal.
Mas, como é verdade o
contrário! Imagine-se uma ponte a cujos pés as águas tenham deixado de correr,
desviadas que foram para alguma represa. Desolada, envolta por uma triste
solidão, a ponte vê seus fundamentos secos, percebe o vazio junto a ela: sua imagem
já não se reflete em nada, não tem mais brilho, ela está seca, esturricada no
ar. De súbito, abrem-se as comportas, a água começa a circular novamente...
E da ponte, revigorada,
rejuvenescida, parte uma exclamação de gáudio!
Revista Dr Plinio 79
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