• sexta-feira, 28 de outubro de 2011

    Palácio de Versailles

    Ao considerarmos os belos e variados aspectos de Versailles, devemos ter em vista que este grandioso palácio traz consigo algo da formosura da Idade Média, mesclado ao espírito excessivamente voltado para as glórias e prazeres terrenos, que esteve na origem da decadência medieval. Donde ele representar, ao mesmo tempo, um progresso do esplendor monárquico, da cultura e da civilização, e um declínio dos valores religiosos e sobrenaturais que conheceram inigualável florescimento no período histórico anterior.
    Feita esta ressalva, nada nos impede de admirar algumas das maravilhas que o palácio construído por Luís XIV — o Rei Sol — faz cintilar aos nossos olhos.
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    As grades e seu portão de entrada são monumentais, à maneira de um arco-do-triunfo em honra da realeza. Com suas colunas e trave pretas, folheadas a ouro, ornadas de figuras mitológicas, o pórtico parece construído para sustentar e reverenciar o escudo de armas da França, no alto do qual está uma reprodução da coroa do monarca. Sobre esta repousa uma pequena esfera, encimada, por sua vez, pela santa cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    As grades, ricas em enfeites nos quais novamente se alternam o preto e o dourado, unem numa feliz harmonia a arte e o espírito securitário. Uma vez fechadas, tornam-se difíceis de transpor, e ostentam lanças que lembram a defesa e o fortalecimento da monarquia.
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    O palácio é um fabuloso conjunto de fachadas e alas que se encontram e se distribuem com simetria, a partir do corpo central. Este se ergue no alto de uma escadaria que lhe confere distinção e grande realce. No topo do frontispício, florões de glória e figuras mitológicas se congregam numa manifestação de júbilo diante das vitórias da França e de sua grandeza no cenário europeu.
    As longas fachadas são verdadeiros monumentos de majestade, que incutem respeito por sua indiscutível categoria, e deixam ver todo o esplendor do edifício. As estátuas, os florões, as pedras de cor indefinível, ligeiramente rosada, em contraste com o branco das colunas, imprimem uma certa movimentação às extensas frontarias, evitando-lhes a monotonia.
    Magnificamente simétricas — a simetria era uma das primeiras características da arquitetura luís-catorziana —, são fachadas discretas e variadas, dando uma ideia de proporção risonha e festiva, grande e poderosa.
    No interior, os aposentos reais, os salões de festa, as salas de audiências, as galerias (como a célebre Galeria dos Espelhos) e todas as demais dependências, ornamentadas com bom gosto extraordinário e indescritível.
    É, na verdade, um palácio lindíssimo, símbolo de uma majestade esplendorosa, triunfal e sorridente, porque segura de seu triunfo e de seu esplendor!
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    Na impossibilidade de passearmos por todos os salões, galerias e aposentos de Versailles, chamo a atenção apenas para a sua capela. Embora um tanto estreita, é toda concebida com um luxo extraordinário, muito séria, digna, envolta na atmosfera dos recintos sagrados, e com uma elevação aristocrática que lembra a grandeza do Rei.
    O jogo de mármores no piso é algo verdadeiramente feérico, dando a impressão de tapetes confeccionados com um material misterioso, vindo não se sabe de que Pérsia, Índia ou China, e colocados aí para todo o sempre. Sobre esses “tapetes” — pedras esplêndidas, em geral de procedência italiana — desfilavam os nobres, entoando belos cânticos religiosos, junto com o coral da capela que, a meu ver, é uma das mais bonitas da Terra.
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    Versailles tem como moldura indispensável os seus magníficos parques e jardins, planejados por Lenôtre, um dos maiores jardineiros da história, se não o maior. Tudo neles é feito de transições sabiamente graduadas, em que se harmonizam elementos de belezas diversas: escadarias, gramados, canteiros, lagos e arvoredos.
    Uma extensa alameda central abre-se para amplos jardins, os quais, por sua vez, nos fazem perder no mundo dos canteiros. Estes, compostos de flores muito bem escolhidas, são magnificamente desenhados, obedecendo a formas geométricas e simetrias perfeitas. Dir-se-iam pedras preciosas lapidadas pela arte de um exímio joalheiro e incrustadas naquelas vastidões. Delicadeza, finura e distinção que causam verdadeiro deslumbramento.
    Há depois um agradável contraste: surge de súbito um doce arvoredo, que descansa a vista, exausta com o que esse conjunto tem de por demais plantado, excessivamente artificial e intensamente desenhado.
    É a nobre e suave espontaneidade de uma natureza ultra-civilizada e abençoada. Note-se, porém, que as árvores de Versailles estão para suas congêneres comuns como uma pessoa bem-educada está para alguém vulgar. São árvores aristocráticas, que “tomaram chá em pequenas”, como se costuma dizer, ou que foram “regadas com champanhe”...
    Ornando esses jardins existem as fontes, lagos e chafarizes, onde imponentes jatos de água se lançam aos ares de modo extraordinário, executando mil jogos e traçados, e produzindo um barulho agradável de ouvir. Como a fonte de Latonne, construída em louvor da Rainha Ana d’Áustria, mãe de Luís XIV, e a fonte de Apolo, feita para homenagear o próprio rei. De fato, tudo nela faz sentir a grandeza da monarquia, da dinastia e do soberano, cercado pelas famílias mais nobres do reino.
    A começar pela figura de Apolo, guiando seus cavalos como Luís XIV governava a França: com pulso firme, porém, ao mesmo tempo, numa atitude de homem elegante. A posição dele é harmoniosa, aristocrática, controlando sem maior esforço os animais que, para outra pessoa, seriam indomáveis, mas obedecem à superior vontade do deus mitológico.
    Nessa fonte se pode ver, ainda, um jato de água central elevando-se mais alto do que os outros ao lado. É bem a imagem da corte com o seu rei preeminente acima de tudo, cercado de nobres muito dignos, mas que são miniaturas do monarca, reunidos em torno dele para honrá-lo e enfeitá-lo.

    A estátua eqüestre de Luís XIV é outro dos belos ornamentos de Versailles. O rei é representado ainda jovem, varonil, enérgico, cheio de iniciativa e conduzindo o cavalo com arrojo. O corpo e o movimento do animal são lindos, como é também de extrema beleza — uma verdadeira obra-prima — o tecido que cobre a sela.
    Luís XIV segura o bastão de Condestável da França numa das mãos e, na outra, uma varinha que indica a linha do comando. No chapéu de abas largas ondeia uma pluma, que devia ser branca, pois esta é a cor da Casa de Bourbon, à qual pertencem os monarcas franceses. Montado quase no pescoço do cavalo, o Rei está na atitude de quem ordena o avanço às suas tropas, com a alegria de quem está certo da vitória. Mas, também, com a estabilidade de um homem que, nas grandes ocasiões, sabia conservar-se na graça de Deus, de maneira que essa estátua se tornou uma imagem exata do que era o próprio Luís XIV.
    Nela se manifesta, outrossim, algo de esplêndido que ainda existia nos Tempos Modernos: o espírito batalhador. A nobreza era, por excelência, a classe combatente do reino da França. Durante as guerras, enquanto a burguesia e a plebe sustentavam o país com o dinheiro e o trabalho, os nobres o faziam militarmente, contendo o invasor na ponta da espada. E o rei era o primeiro a partir para a batalha. Daí, a atitude magnífica de Luís XIV, imortalizada na sua estátua equestre.
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    Modelado segundo o espírito de um dos maiores governantes da França, esse é Versailles, poderoso e majestoso, sorridente e charmant, em cujas construções, apesar da influência renascentista, ainda reluzem as últimas pepitas de ouro da velha sacralidade medieval...

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