• sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

    Chartres e o Véu da Virgem Maria

    Quem não ouviu falar da Catedral de Chartres? Da beleza puríssima de suas formas, de suas altivas torres, de seus deslumbrantes vitrais — os mais prestigiosos da França —, do famoso bleu de Chartres que a luz do entardecer exalta especialmente, projetando-o límpido e profundo sobre as pedras gastas do chão, sobre alguma coluna ou imagem, misturando-o com os radiantes vermelhos da belle verrière, numa feeria de cores?

    A presença desse venerável edifício no centro de uma região essencialmente rural, cercado por uma cidade que não tem proporção com sua magnificência, contribui para aumentar a surpresa do visitante, quando encontra ali tanta grandeza.

    Qual o motivo da forte influência religiosa que Chartres tem exercido desde épocas remotas?

    Os carnutos, povo celta que ocupava a região, uma vez evangelizados, aderiram à fé católica com grande fervor. A veneração especial que tiveram à Virgem Maria deu origem a um santuário mariano de renome. Foi essa antiga devoção o motivo decisivo para que o rei Carlos o Calvo, em 876, transferisse de Aix-la-Chapele para Chartres uma preciosa relíquia, dada a seu avô, Carlos Magno, pelo Imperador de Constantinopla: o Véu de Nossa Senhora.

    Outrora pensava-se que se tratava de uma túnica, mas um reconhecimento oficial, feito em 1712 pela autoridade eclesiástica, constatou ser um véu de seda, sem costura, de forma retangular. Um exame realizado em 1927 mostrou que o tecido tem dois mil anos e é do Oriente.

    Possuir essa relíquia foi o que deu importância a Chartres, fazendo de sua Catedral um santuário dedicado à Santíssima Virgem e importante centro de peregrinações.

    Em 1194, a grande basílica, construída no estilo românico, foi reduzida a cinzas por um incêndio. A primeira reação do povo foi de desolação, não só pelo edifício, mas especialmente pela possível destruição da relíquia. Porém, depois de extinto o fogo, ela foi encontrada intacta, pois um padre havia se fechado com ela na cripta, não conseguindo sair depois por causa dos escombros que obstruíam a passagem.

    Esse fato despertou enorme entusiasmo, dando origem a um grande movimento para a construção de um novo edifício, em estilo gótico. Foi ele erguido com relativa rapidez, com contribuições vindas até de outros países, como a Inglaterra e a Alemanha.

    Em 1260, já terminada a nova catedral, foi consagrada à Assunção de Nossa Senhora, e as peregrinações recomeçaram. Durante séculos, multidões de peregrinos visitaram Chartres e obtiveram graças e milagres por meio da “Santa Túnica”.

    Com o passar do tempo e a perda gradual do espírito de Fé, Chartres tornou-se conhecida apenas pelo esplendor de seus vitrais, e a sagrada relíquia foi sendo esquecida.
    Em 1793, foi ela cortada e dispersada, para evitar que fosse destruída pela Revolução Francesa. Anos depois, conseguiu-se recuperar vários pedaços, os quais podem hoje ser venerados no Tesouro da Catedral.

    ***

    Se quisermos conhecer a origem de alguma igreja, catedral ou santuário cuja fama transcenda os limites de sua região, devemos procurá-la no espírito de fé daqueles que a construíram.

    O povo daquela época, animado de grande fervor religioso, desejava honrar as relíquias ou imagens milagrosas com todo o brilho e suntuosidade. Assim nasceu uma nova estética do “maravilhoso luminoso”, o gótico com sua grandeza extraordinária, que através de construções audaciosas procura refletir a beleza, a virtude e a verdade do Criador.

    Grandes e pequenos, pobres e ricos, religiosos e leigos, todos se uniam para a construção de belezas visíveis que ajudassem os homens a elevar-se aos esplendores invisíveis da Virtude e da Verdade. 

    Nenhum comentário: