• segunda-feira, 28 de março de 2011

    O que é Veneza?


    Será possível ter saudades de algo que não se conheceu? Parece que sim, pois o homem conserva na alma a nostalgia de um mundo no qual nunca esteve, mas com que sonha imperceptivelmente. É o Paraíso, de onde os nossos primeiros pais foram expulsos, como castigo pelo pecado original.

    É difícil conhecer o auge de perfeição que teria alcançado a humanidade no Éden Terrestre, onde Deus “passeava […] à hora da brisa, depois do meio-dia” (Gen. 3,8). O vazio deixado na alma humana pela perda daquela felicidade primeira leva o homem a criar, conforme seu talento o inspire, miniaturas do Paraíso, que de algum modo saciem essas saudades inatas. Uma delas é, sem dúvida Veneza…


    O brilho das cores, o encanto das formas e o elegante deslizar das gôndolas nos fazem pensar, por vezes, que estamos diante de um paraíso emergindo das serenas águas do mar.

    De um lugar pantanoso e inconsistente nasceu uma das maiores maravilhas do Universo: Veneza! Nela o homem pôde realizar, afinal, este sonho: morar num palácio à beira d’ água, sob um lindíssimo céu.

    O firmamento de Veneza é uma espécie de céu dos céus! O colorido é extraordinário, as brumas são uma beleza, e os anoiteceres, lindíssimos!

    Veneza é o ponto de encontro onde a terra feia, outrora pântano, é disfarçada pelo chão dos palácios e pelas águas do mar. É o ponto de encontro onde o céu maravilhoso e as águas se osculam. É uma espécie de paraíso realizado pela fantasia, pelo gênio, pela capacidade de trabalhar e pelo desejo do sublime que tem o homem. Afinal, como pôde um povo semi-selvagem - como eram os primitivos habitantes daquela região – construir algo tão maravilhoso?


    Se esse povo não fosse batizado, talvez essa cidade não existiria. Na verdade , Veneza é fruto do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja imolação no alto do Calvário obteve as grandes regenerações morais. É desse sangue que Ele derramou, desse Sangue a propósito de cuja efusão Nossa Senhora chorou, desse Sangue do qual resulta tudo quanto há de bom, de grande e de belo na Terra, é a propósito desse sangue que nasceram os esplendores de Veneza. O bárbaro ao ser batizado ficou trabalhador, disciplinado e adquiriu o senso do maravilhoso. As maravilhas começaram a nascer.

    Nasceu a Soberana, Aristocrática e Sereníssima República de Veneza. Águas prestigiosíssimas, que parecem carrear consigo a beleza de todos os palácios que nelas se miram, e por onde elas se movimentaram. Gôndolas delicadas, que afirmam vigorosamente a superioridade do espírito sobre a matéria, da arte sobre o funcional, do nobre sobre o que é vulgar. Graciosas pontes que afirmam o predomínio do estético sobre o útil. Panorama de onde o sacral não se sente expulso nem maltratado.

    Misteriosa e bela Veneza, enclave do Oriente no Ocidente, que recebe da presença da água um bonito colorido que lhe realça todas as coisas.


    Ora é o palácio dos Dodges, perpétuo maravilhamento, onde, contrariando as leis da natureza, o leve rendilhado de colunatas sustenta a massa do edifício. Palácio deliciosamente róseo, ornado por ogivas simétricas, pensativas, calmas, tranquilas e nobres. Ogivas que parecem fitar o mar.

    Ora é a incomparável, sacral e convidadtiva Catedral de São Marcos, cheia de encantos mais belos que a própria beleza! Com seus famosos cavalos trazidos de Bizâncio, com a riqueza de seus mosaicos e com a magnificência de suas cúpulas, nas quais o charme se alia à grandeza. Eriçada de arcos e de pequenas pontas, como se fossem asa de incontáveis pombos abertas para voar, e que levariam consigo pelos ares a Catedral mil vezes famosa!

    É a torre dura, forte e alta do Campanille, contrastando com o rendilhado gracioso e amável da Catedral.

    É Veneza dos inúmeros cais, onde um borbulhar de gente lhe comunica sua nota festiva, mas ao mesmo tempo com um fundo grave, e até melancólico,indispensável para que ela não se torne banal.

    O que é, afinal, Veneza?

    É um modo de ver o mar enquadrado numa perspectiva dominada pelo espírito humano. É o mar a serviço da Civilização Cristã, a serviço da terra. E é a terra engrandecida por ter adquirido o domínio dos mares.
    Ali está Veneza!

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