Alma voltada para as
coisas mais elevadas, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira procurava sempre o maravilhoso. No Palácio dos
Campos Elíseos ele via o maravilhoso na mediania, no equilíbrio e na harmonia.
Mas discernia o que existe de revolucionário nesse edifício: uma solicitação
para o gozo da vida, fator de amolecimento das almas.
Farei alguns
comentários sobre o Palácio dos Campos Elíseos1. Obedecendo ao princípio de pôr
em realce também o óbvio, eu queria mostrar o seguinte: nele há um maravilhoso,
o qual é feito — e aqui está o segredo do Palácio — de elementos que de si não
conduzem ao maravilhoso. É a harmonia desses elementos que dá o maravilhoso.
Cada mansarda é uma obra-prima
Todos naturalmente
notam que o Palácio é muito simétrico: ele tem um corpo central com duas
galerias, uma inferior e outra superior. Na galeria de baixo, os arcos são um
pouquinho mais largos — e também mais ornados — do que os da galeria de cima.
Na galeria de baixo há uma espécie de moldura em torno de cada arco, tendo bem
no centro um elemento decorativo que não existe em cima.
Em baixo, entre os
arcos, existem medalhões de faiança, que em cima são substituídos por outras
aplicações de cimento ou qualquer coisa assim, mas muito mais modestos.
Um espírito banal
diria que o Palácio ficaria muito mais bonito se ele fosse tão belo em cima
quanto em baixo. Mas perderia completamente. O segredo está exatamente num
certo equilíbrio, por onde a parte de baixo parece suportar comodamente a parte
de cima que já se perde um pouco no irreal; ela é mais imprecisa, menos nítida
do que a parte de baixo. Essa ideia é acentuada ainda mais pelas três mansardas
que são, cada uma, uma verdadeira obra-prima. Essas mansardas, por assim dizer,
repetem de um modo já meio irreal a galeria.
Edifício sólido, mas tendente para o alto
De um lado e de
outro há dois corpos de edifício que se projetam ligeiramente para a frente,
mas o mesmo princípio está adotado aqui, quer dizer, a projeção é muito maior
em baixo do que em cima. Na parte superior, o destaque é muito pequeno; em
baixo, é bastante acentuado. De maneira que para compreendermos toda a harmonia
existente aqui, deveríamos imaginar como seria o Palácio sem essas caixas
embaixo. Ele não ficaria completamente lambido?
Vejam como tudo é
bem estudado, e aqui se desmente a regra, pois as janelas de cima são mais
ornadas do que as de baixo.
Então, alguém
poderia me perguntar: “Por que essas janelas não pesam?” Porque elas têm essa
caixa na frente, que aguenta o peso do ornato maior. Imaginem que essas janelas
de cima não fossem mais ornadas, porém iguais às outras; o Palácio não perderia
muito?
Então, essa discreta
harmonia do Palácio é feita em mil equilíbrios.
Considerem as
mansardas. Cada um desses corpos tem apenas uma mansarda. Comparem com as outras;
é a mansarda do centro ampliada, mas uma ampliação esplendidamente harmônica
com o tamanho do terraço e da parte situada embaixo.
Todas elas — para
dar a ideia de que se perdem no ar — têm três bolinhas em três suportes em
cima, que é o voo que o edifício toma, de maneira que temos a impressão de um
edifício sólido, assentado na terra, mas tendente para o alto.
Não tem nada de
angélico como um prédio gótico, mas como o homem é um misto de alma e corpo, há
muita alma nesse corpo. Não é pura alma como no castelo de Saumur, por exemplo,
mas tem muita alma dentro desse corpo, donde agora se explica o que para mim é
o encanto do Palácio: ele não é grande nem pequeno; é médio. Ele não é
riquíssimo, não é pobre; é digno. Ele não é faustoso nem esplendoroso; é nobre.
Equilíbrio e harmonia
Quer dizer, é um
Palácio que nos dá tudo quanto pode haver de maravilhoso na mediania, no
equilíbrio e na harmonia, e representa, nesse sentido, um valor absoluto.
Poder-se-ia dizer que é um exemplo de Harmonia com “H” maiúsculo, porque tudo
quanto é sensacional foi eliminado do Palácio. Mas ele, de si, é sensacional.
Quando o olhamos, pelo menos a mim, ele se afigura sensacional.
Esta sensação, creio
que a luz dourada, se estivesse bem focalizada, realçaria enormemente. Ele toma
um ar de harmonia de sonho, de conto de fadas nessa visão, e é um dos aspectos
do Palácio de que eu gosto muito.
Vou fazer uma
comparação prosaica: já imaginaram o Palácio sem aquele portal do lado direito
de quem olha? Pareceria uma cara sem a orelha direita, porque do lado esquerdo
há outro portal. E ficaria uma coisa que terminaria bruscamente.
Vejam como aquela
“orelha” está bem posta: o tamanho, a largura, mas não visa fazer sensação. Uma
pessoa de espírito dito moderno faria uma superentrada com um lustre pendurado.
Ele não teria percebido nada, porque é esta leveza discreta — de mãe de família
adornada com gala, e não como mulher leviana — que constitui o charme do
Palácio. Eu acho que o Palácio é maravilhoso pelo charme.
Uma coisa bonita é o
abaulado do terraço.
O modo de se
perceber a razão de ser de uma coisa é imaginar que ela não estivesse ali.
Então, imaginem o teto chato clássico; ele não tiraria algo do Palácio?
Olhem os medalhões e
as cerâmicas: que azul bonito! E ouro sobre azul é a combinação francesa... São
muito bonitos e têm categoria.
Vida de seriedade, de pensamento e de ação
Esse Palácio é feito
para se levar uma vida de seriedade, de pensamento e de ação. Se morar aí um
indivíduo que não for um homem de ação, ele apodrece dentro do Palácio. Tem que
ter responsabilidade: é um Palácio para um governo. Responsabilidades
gravíssimas, conselhos de Estado apertadíssimos, profundos pensamentos, planos
políticos.
Aqui se faria uma
preparação para uma guerra justa, longe da rua e do barulho, uma coisa
magnífica: “Ataco assim ou não? Onde é a moleira do adversário? Qual o modo e a
hora de dar o golpe?”
É preciso entender o
que é a doutrina de governo, que entra dentro disso. Governo não é
principalmente viajar, nem tomar contato com muita gente, mas estar informado,
coordenar dados e chamar pessoas.
Imaginem, numa
manhã, um homem muito reflexivo neste Palácio, em seu escritório dando para as
árvores, janelas abertas, tudo tranquilo, e ele está fazendo os seus planos.
Planejar é o auge. Aí dá para rezar, fazer meditação, etc.; uma verdadeira
maravilha.
Podemos medir em que
atoleiro nós estamos, porque isso no Reino de Maria não poderia existir. Nesse
Palácio há Revolução. Estou apontando os lados positivos, mas isso é cheio de
lados negativos. Entre outros, uma solicitação contínua do gozo da vida que
amolece, e que nós não devemos tolerar.
Tenho medo desse
estilo, porque o convite para o gozo da vida existe, embora precisemos saber
ver o que ele tem de bonito.
Notem como há uma
proporção entre um arco e o conjunto da fachada. Depois, entre a altura do
arco, e o que resta da altura do edifício. E a porta de dentro, e até de uma
portinha; porque essa portinha é indispensável. Se fosse tudo pedra, ficava
pesadão.
Esse embasamento tem
exatamente a altura necessária para se perceber que ele existe e para acentuar
a ideia de que o Palácio flutua.
Esse Palácio, apesar
de muito sério, é muito leve. Ninguém poderá dizer: “esse pastelão”. Gosto
muito desse Palácio.
Esses prédios
antigos têm lugares que nos convidam a estar olhando e pensando fixamente, sem
sair. Naquela balaustradazinha, por exemplo, poderíamos ficar olhando o jardim
maior e, por uma boa meia hora, estar pensando em tudo e em nada, e quando
sairmos, muitas ideias estarão mais maduras. É desse modo que se matura. Assim
como existe adega para guardar e decantar vinho, isso é para guardar e decantar
gente. É “adega” de gente.
Plinio
Corrêa de Oliveira – Extraído de conferência de 12/5/1974
1) Situado na Av.
Rio Branco, bairro Campos Elíseos, em São Paulo. Foi sede do Governo de 1915 a
1965.
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