• quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

    Sainte Chapelle

    Nascida de um conjunto de circunstâncias e, sobretudo, de graças especiais, a Sainte Chapelle não foi concebida apenas por um artista, mas por um ambiente e um modo de ser que caracterizou a alma medieval.
    Lembro-me de quando, há muitos anos atrás, visitei por primeira  vez  a  Sainte Chapelle,  edificada por São Luís Rei a fim de  abrigar uma preciosa relíquia: espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao entrar, fiquei encantado!
    O recinto sagrado possuía dois patamares, sendo o inferior reservado aos servidores e empregados da corte.
    Zeloso pelo bem  espiritual  de  seus súditos, o Rei se comprazia em  assistir à Santa Missa em presença  de todos eles. Celebrava-se, então, o Santo  Sacrifício  na  parte  superior da capela para a corte, e, concomitantemente,  na  inferior  para  os criados.
    Chamaram-me a atenção as proporções da parte inferior, que são inteiramente  diversas do que encontramos habitualmente. Quando nos indagamos se o ambiente é alto, logo  chegamos a uma conclusão negativa;  porém, se nos perguntamos se ele é  baixo,  percebemos  que  tal  afirmação seria exagerada. Esse ambiente  possui  uma  proporção  especial  para quem nele se detenha a rezar, que  poderia ser definido assim: um ambiente elevado, porém muito íntimo,  como que o mais íntimo gabinete de  Deus, ou sua mais interna sala. Esta  atmosfera produz na alma uma perspectiva que concilia a elevação com  a intimidade. 
    Como se consegue produzir essa sensação? É possível notar que todas as colunas são muito  esguias  e  tênues, não demonstrando força rústica. Elas desabrocham como palmeiras, cujas folhas se encontram no teto. Abrem-se de modo tão harmonioso, gradual  e  perfeito,  que  causam a impressão de que o teto está a  uma grande altura, onde acabam as  folhas das palmeiras, ao mesmo tempo em que esta altura pode ser alcançada pelo homem. Fica-se assim misteriosamente elevado. Na intimidade sente-se uma grande elevação, e na elevação uma grande intimidade. O homem mede toda a grandeza de Deus, mas se sente atraído até Deus. Afetuosamente e carinhosamente elevado.
    Doce e suave penumbra
    Ao  subir  ao  andar  superior,  vemos que a iluminação do ambiente  emana dos belos vitrais, de tal forma  que uma doce e suave penumbra era  o elemento dominante desse recinto.  Havia um presbitério com o altar para as celebrações litúrgicas, e as naves laterais onde permaneciam os fiéis. O ambiente fora feito para receber muitas pessoas em um pequeno espaço, ou ao menos causar a ideia  de que o local era pequeno.
    Porém o conjunto era melhor...
    As ogivas exercem o seu incomparável fascínio sobre os espíritos. Nota-se como são belas; entretanto, vistas em conjunto, são mais bonitas do  que cada uma em particular, à semelhança da Escritura quando diz que  Deus, ao criar o universo, repousou  no sétimo dia, considerando a obra  que  tinha  realizado.  E  que  se  Lhe  tornou  patente  que  cada  coisa  era  bela, entretanto o conjunto era superior a cada coisa em particular. Bem  se pode aplicar esse princípio à Sainte Chapelle. Todas as colunas são belas, as pinturas as tornam ainda mais  belas, mas o conjunto é muito superior a tudo. O mais belo é o conjunto.
    Toda a leveza, delicadeza e elevação da Sainte Chapelle fazem-se notar não apenas no teto ou na torre,  mas também num detalhe: um florão, no qual pousou um anjo. A figura do anjo está numa tal proporção com o florão, que se diria que,  ao menor movimento dele, o florão  vergava e ele perderia o equilíbrio. É semelhante a um pássaro que pousasse sobre uma flor 
    O ângulo formado por ambas as  partes das ogivas causam a impressão de que o teto está apertado. Entretanto, essa forma esguia aumenta  o efeito de leveza. Pois quanto mais  o teto é espaçoso, tanto mais causa  a impressão de rude, enquanto que,  tanto  mais  estreito,  maior  é  a  impressão de que vai atirar-se ao céu.  Também a torre do campanário é como um gráfico do desejo do homem  medieval de subir até Deus. O próprio colorido do céu aumenta a beleza da Sainte Chapelle, pois ela seria  mais bonita imaginada no meio das  nuvens e construída no céu, do que  nesse vale de lágrimas.
    Monarca guerreiro para um reino de paz
    A imagem de São Luís proporciona uma ideia real do que poderia ter  sido esse santo rei. Vê-se nele uma  indiscutível  majestade  real.  Não  a  majestade de um rei agressor e anexador de terras que não lhe pertencem, mas de um monarca defensor,  firme e tranquilo de seus direitos, seguro de terras que recebeu e sobre  as  quais  tem  o  direito  de  mandar.  Um  rei  guerreiro,  que  combate  se necessário, por ser o seu dever, para manter a integridade do seu reino.  Sua fisionomia traduz uma determinação e uma decisão admiráveis.
    A atitude e a fisionomia de São  Luís  causam  a  impressão  de  calma, segurança, e de uma determinação a qualquer extremo, no caso de  ter  de  lutar,  que  demonstram  bem  o rei cruzado e batalhador que teve  guerras para sustentar, mas que soube orientar essas guerras de tal modo que não só saiu-se vitorioso, mas  proporcionou a seu povo um reinado de paz.
    O irrealizável feito realidade
    Poder-se-ia afirmar que a Sainte Chapelle é feita de vitral, de tal forma o que há de pedra é o estrito necessário  para  sustentar  os  vitrais  e  escorar o teto. O restante é todo feito de cristal ou de vidro tão bem trabalhado na diversidade de cores, na  precisão dos desenhos e na elegância  das formas, que chega a tocar no inimaginável.
    Ao entrar nessa capela, tem-se a  impressão de que o irrealizável tornou-se  realidade,  e  o  que  surge  à  mente é a seguinte ideia: “Não pensava que fosse possível, com os elementos desta terra, realizar uma coisa  tão  semelhante  ao  Céu.”  Realmente, isso se tornou possível devido à Fé. 
    Caso esse edifício não fosse concebido por almas elevadas à vida sobrenatural pela graça — remidas e  resgatadas  pelo  sangue  preciosíssimo  de  Nosso  Senhor  Jesus  Cristo, que lhes abriu as portas do Céu  e lhes infundiu a abundância da graça —, e construído em séculos de Fé,  por  sua  própria  capacidade  o  homem jamais cogitaria uma maravilha  como essa.
    Extraordinária inocência
    A Sainte Chapelle deixa entrever uma extraordinária inocência de alma, o que permitiria chamá-la a Capela da Inocência. Para conceber algo assim, a alma precisa ser profundamente inocente. A Sainte Chapelle  é a obra-prima da temperança, nela  tudo é lindo, magnífico e arrebatador. Porém, com um equilíbrio que  permite à inocência atingir o auge de  seu entusiasmo. Auge sereno, calmo,  refletido, o qual frutifica em meditação e contemplação. 
    Plinio Corrêa de Oliveira – Extraído de conferência de 12/4/1989 Revista Dr Plinio 147


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