• sábado, 11 de março de 2017

    Palácio do Vaticano


    Pervadido de admiração, Dr. Plinio descreve o panorama descortinado ao subir a rampa que conduz ao Pátio de São Dâmaso, as cenas presenciadas nesse local e as salas, com suas grandiosas ornamentações, do Palácio onde vive o Sumo Pontífice. Indica também os significados da “Sedia Gestatoria”, dos “flabelli” e dos dosséis existentes na Sala do Conclave, mostrando como tudo ali é prático e sublime.
    Como era a vida de um Papa?
    Ela transcorria em um Palácio ou na Basílica de São Pedro, a maior igreja da Terra, magnífica pela sua riqueza, pelo seu valor artístico, pelo fato de estar construída sobre a sepultura de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, pelo grande número de relíquias de toda ordem ali reunidas, pelos acontecimentos históricos que ali se passaram. E, ao lado da Basílica, o Palácio do Vaticano, residência para onde o Papa se recolheu depois que os Estados Pontifícios, que constituíam dentro da Itália um verdadeiro reino, foram tomados por Garibaldi.
    Do Portão Santa Marta até o Pátio São Dâmaso
    Em virtude do Tratado de Latrão1, a própria Itália reconheceu que a Basílica de São Pedro, o Palácio do Vaticano, jardins anexos e alguns outros edifícios do Vaticano existentes em Roma constituíam um reino próprio, distinto do governo da Itália, com todos os poderes de uma soberania temporal, perfeita e acabada, inclusive com sua alfândega e seus correios e telégrafos. Dentro do Vaticano havia uma estação de estrada de ferro. E o Papa era o rei deste Estado, o monarca da Igreja que ali vivia cercado de todo o protocolo de uma corte; protocolo voltado a estimular sentimentos de veneração e de amor para com o Soberano Pontífice, e a organizar convenientemente sua vida.
    Lembro-me da impressão que eu tive — numa das vezes em que fui ao Vaticano — quando subi pelo Portão Santa Marta, situado à esquerda de quem entra na Basílica de São Pedro. Caminha-se por uma rampa muito bonita, onde se passa perto de um pequeno palácio no qual morou o Cardeal Merry del Val2, de um pequeno cemitério — chamado dei Tedeschi, porque ali alguns alemães estão sepultados; depois se passa pelo governatorato de Roma. Roça-se no fundo, na abside da Basílica de São Pedro e se chega ao pátio mais alto, o cume de uma verdadeira montanha, chamado Pátio de São Dâmaso, que é o pátio interno do Palácio do Vaticano, donde partem os elevadores que levam os visitantes para os vários andares, nos quais estão Monsenhores, Cardeais e finalmente o Papa.
    Chegada de uma princesa dos antigos tempos e do embaixador dos Estados Unidos
    Quando chego ao alto da rampa, vejo uma cena bonita: de um automóvel saem dois camareiros, vestidos com damasco roxo e meias compridas, com jeito de nobres, e ajudam uma princesa dos antigos tempos, trajada como se vestia para visitar o Papa — toda de preto, com véu, tule, uma coroazinha etc. —, a qual foi caminhando em passo cadenciado, com um pequeno séquito, no meio do pátio; mas ninguém prestava atenção especial porque passava de tudo por lá.
    Em seguida, ouço uma buzina prestigiosa, que toca com delicadeza para afastar um pouco as pessoas, e vejo um automóvel enorme e reluzente que chega. Era o representante do presidente dos Estados Unidos junto ao Papa, que entrava para ser recebido pelo Sumo Pontífice.
    Então essa conjunção da princesa dos antigos tempos, já sem poder temporal, com pouco dinheiro, hospedada com certeza num hotelzinho médio de Roma, que descia de um automovelzinho tremblotant3, como se diz em francês — em que os paralamas e todas as outras partes do veículo pareciam ter uma espécie de dificuldade de se manter unidos —, mas ela descia no esplendor de sua tradição, da verdadeira tradição que não morre nunca e que não se incomoda nem sequer com sua própria pobreza, recebida por dois guardas de honra também tradicionais, e caminhando com a serenidade e o alheamento a todas as coisas. E, ao lado, o embaixador do país rico, magnífico, pomposo, a maior potência temporal da Terra, que também vai ouvir uma palavra do mesmo sucessor de São Pedro. Mais acima passa um Cardeal armênio, com sua barba; é toda a velha História da Igreja nos países do Oriente próximo. E tudo isso afluindo para cumprimentar o Papa.
    Os Papas não recebiam só as pessoas grandiosas, mas todas as pessoas, porque ele é pai de todo mundo, e é preciso que todos sintam que têm acesso junto ao Soberano Pontífice. E era preciso organizar essa vida de maneira que toda essa gente visse o Papa.
    Ornatos grandiosos fazem com que o homem se sinta pequenino
    A residência papal precisa ter vários salões sucessivos. Nenhum salão repleto, nem abarrotado ou cheio de gente como num cinema moderno. Fileiras de duas ou três pessoas ao longo dos muros, um longo espaço vazio entre elas, objetos ornamentais magníficos, quadros, afrescos esplêndidos, tapetes, tetos esculturais.
    O Papa entra vestido de branco, diferente de todo mundo, solidéu branco, discreto. Ele se aproxima de cada um no recolhimento da sala. Uma palavrinha com esse, aquele e aquele outro, e vai para outra sala. Como as pessoas que estão numa sala sabem que há várias outras depois, cada um entende que o Sumo Pontífice diga uma palavrinha e passe.
    Poderíamos examinar como as menores coisas convivem com isso. Os ornatos das salas são grandiosos! Nada de pinturazinhas, com figurinhas, florezinhas. São cenas enormes, em geral de tamanho maior do que o homem. Por quê? Isso faz com que o homem se sinta pequenino e compreenda o respeito que deve ter. Depois, todos sabem que são afrescos de pintores famosos; cada uma daquelas salas valeria uma fábula, não têm preço aquelas pinturas que ornam a mais alta autoridade da Terra. Tudo isso incute respeito. Há também a sala preparada para o Conclave que elege o Papa, onde se notam as cadeiras colocadas uma ao lado da outra, e em cima de cada cadeira um dossel. Quando o Soberano Pontífice é eleito, funcionários baixam os dosséis, e o único dossel que fica elevado sobre a cadeira é o do trono do novo Papa.
    O que quer dizer isso? Quando o Sumo Pontífice morre, o governo da Igreja passa a pertencer ao Sacro Colégio, o qual exerce temporariamente uma parte da soberania do Papa. Como o que caracterizava o soberano antigamente era sentar-se sob um dossel, há dosséis para todos os Cardeais que constituem no seu conjunto o Sacro Colégio. Quando o Papa é eleito, o Sacro Colégio que o aclamou ou escolheu deixa de ser soberano. Assim, os Cardeais, ato contínuo, vão fazer seu ato de obediência ao novo Papa. Baixam-se os outros dosséis, pois a soberania pertence apenas ao Papa. É uma coisa bonita!
    A ”Sedia Gestatoria” e os ”flabelli”
    A Sedia Gestatoria é um trono ambulante. Quanto eu saiba, esta é a única monarquia de velhos. A Igreja verdadeira nunca teve a fobia da velhice; pelo contrário, teve a admiração e a veneração por ela. Reporto-me à teoria da soma das idades. À medida que a pessoa envelhece, ela vai somando a vantagem de todas as idades; e, se é católica, vai se tornando mais plena de tudo aquilo que a velhice pode dar. A velhice não é considerada uma catástrofe, mas um êxito. Lembro-me de uma anedota: dois franceses velhos encontraram-se e ficaram conversando numa ponte sobre o Sena. Um deles disse: “Como é desagradável envelhecer!”, e o outro respondeu: “Eu não acho, é o único jeito de viver muito.”
    É tão evidente…
    Todos os Papas, com raras exceções, eram mais do que sexagenários. Para percorrer aquelas distâncias enormes no interior do palácio deles, deviam usar um veículo de transporte à mão, porque muitas vezes eram septuagenários ou octogenários. Daí então essa espécie de liteira descoberta, que era a Sedia Gestatoria, carregada por portadores que se revezavam ao longo do trajeto, todos com trajes tradicionais. E o Sumo Pontífice ia sentado ali com aqueles leques em forma de semicírculos, com plumas, chamados flabelli, que eram na aparência para afugentar as moscas. É possível que a velha Roma pontifícia tenha tido muito mosquito, e que os flabelli foram feitos com essa intenção. Mas com o tempo os famosos pântanos romanos foram sendo secos, e os mosquitos desaparecendo de Roma. Mas os flabelli ficaram. Porque aquele objeto, destinado primeiramente a espantar mosquitos, foi de tal maneira modelado pela arte que se transformou numa obra-prima, colocada sempre perto do Papa e movendo-se discretamente; passou a ser um símbolo da suavidade, da graça e da glória, adornando a fronte venerável do ancião que é o Vigário de Cristo na Terra. Então os flabelli, movendo-se lentamente em torno do Papa, passaram a ser o complemento cênico — e digo cênico com o maior respeito à palavra — necessário do Romano Pontífice levado na sua Sedia Gestatoria.
    Então, tudo está preparado ali. É só o novo Papa ser eleito que se desencadeia um mundo de tradições que o cercam e o vão levando dentro da linha dos seus antecessores. Isso tudo é tão prático, corre depressa, porém sem correria; não como a pressa moderna, filha da aflição e da torcida, mas uma pressa filha da reflexão, do recolhimento, da meditação, e por causa disso particularmente eficiente. Tudo se passava sem corre-corre, com um mínimo de dispêndio de tempo possível. Sublime e prático ao mesmo tempo. Coisas que o espírito moderno não compreende bem que estejam unidas.
    Para concluir, desejo que lhes seja dado o seguinte: a alegria, a graça e a glória de presenciarem o começo do Reino de Maria. E que possam assistir a toda a pompa vaticana como ela deve ser.
    Plinio Corrêa de Oliveira –  Extraído de conferência de 13/1/1976

    1) Tratado assinado em 11 de fevereiro de 1929 e ratificado a 7 de julho do mesmo ano. Por ele, o Vaticano ficava reconhecido oficialmente como Estado soberano, neutro e inviolável, sob a autoridade do Papa, incluindo o palácio de Castelgandolfo e as basílicas de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Por sua vez, a Santa Sé renunciava aos territórios que lhe pertenciam desde a Idade Média e reconhecia Roma como capital da Itália. 2) Secretário de Estado de São Pio X. 3) Trêmulo.

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